Os estatutos que serão votados representam um salto quântico na qualidade da democracia no Benfica — permitirão um melhor escrutínio e maior transparência.
Há uns anos, fui criticado na rua por um adepto do Benfica que me pediu que fosse mais como outro comentador televisivo da altura. Esta abordagem acontecia, na rua ou nas redes sociais, sempre que escolhia usar uma parte relevante do meu tempo na televisão para observar aspetos menos positivos no meu clube, ao invés de falar apenas sobre arbitragens ou algum escândalo dessa semana que envolvesse os rivais (não são poucos). Na verdade, este correligionário não era uma só pessoa, mas antes uma espécie de corrente de pensamento defendida ferozmente por alguns benfiquistas, segundo a qual uma crítica ao nosso próprio clube serviria apenas para ajudar os rivais.
Uma coisa é suspender a descrença — isso é fácil e já o fiz algumas vezes. Outra coisa, bastante diferente, é abdicar do pensamento crítico ou de uma certa dose de racionalidade. Nunca percebi de que forma a utilização destas faculdades, fosse por mim ou por qualquer outro adepto no espaço público, prejudicava o Benfica. Já lá vão uns bons anos. Ainda assim, agradeci o feedback desse amigo e contrapus que o exercício da crítica construtiva, como sempre tentei fazer, poderia ser visto não como uma generosa oferta aos rivais, mas antes como um humilde contributo — só mais um entre muitos — dos demais sócios e adeptos. No meu caso, esse contributo tirava partido da plataforma televisiva para, pasme-se, sugerir coisas que poderiam ajudar o Benfica a melhorar. Concordámos em discordar e cada um seguiu o seu caminho, amigos como dantes.
Ainda hoje, esta linha de argumentação é utilizada para tentar diminuir ou minar o caminho de qualquer pessoa que entenda que é possível fazer melhor do que temos, que é possível tornar o Benfica ainda maior. Mas, por cada uma dessas pessoas, há uma mão cheia de outras que persistem em remar contra essa corrente. Os novos estatutos, que serão votados no dia 8 de março, são disso um magnífico exemplo. Tal deve-se, em grande medida, à iniciativa de sócios que, sem pedirem nada em troca, trabalharam em conjunto com uma direção que soube disponibilizar-se para isso, de forma a que os sócios possam hoje estar perante uma das mais importantes oportunidades de fazer o Benfica avançar neste século.
Após um longo debate, que permitiu discutir cada um dos pontos dos estatutos agora em votação e iterar a sua formulação, há duas convicções claras que devem nortear o sentido de voto no próximo sábado. Em primeiro lugar, os estatutos que serão votados representam um salto quântico na qualidade da democracia no Benfica — permitirão um melhor escrutínio e maior transparência, promoverão uma participação associativa reforçada em todas as instâncias, dos órgãos sociais ao associativismo de base, e, cumprindo tudo isto, honrarão os pergaminhos de um clube que é a maior instituição do país e que, por isso, se deve pautar pela máxima respeitabilidade e honorabilidade. Em segundo lugar, aquilo que será votado reflete um processo de participação associativa que não deve ser desmerecido num momento que se quer de concretização, pois isso significaria um desprezo pela enorme participação associativa ao longo deste processo. Foram milhares de sócios que estiveram repetidamente presentes e traduziram a sua disponibilidade, quase sem exceção, numa esmagadora maioria de votos favoráveis ao que foi votado na generalidade e na especialidade.
O Benfica não é propriedade dos sócios que estiveram nestas assembleias gerais, mas será insólito e triste que, depois dos anos necessários para chegar aqui e de tudo o que foi feito para elevar o Benfica ao longo deste processo — dos sócios anónimos ao atual Presidente da Mesa da Assembleia Geral, cuja conduta tem sido exemplar —, uma ambição tão nobre possa morrer na praia.
Este momento não deve ser desperdiçado, independentemente de o tema não reunir consenso na atual direção, segundo um ex-membro dos órgãos sociais. Independentemente de não ter merecido, até à data, um apelo claro do presidente à participação neste ato. Estranharei se Rui Costa não apelar à aprovação dos estatutos que a sua própria direção ajudou a produzir, mas estranharei ainda mais se nada disser que incentive uma participação expressiva e informada dos sócios. Para que tal aconteça, e porque nem todos vivem na era digital, seria determinante que o repto fosse lançado com tempo suficiente para permitir uma reflexão ponderada de todos, ao invés de um sentido de voto decidido circunstancialmente. Ou seja, esse repto já devia ter sido lançado, com um vigor semelhante ao da intervenção do presidente numa recente assembleia geral. Pelo tempo que todo este processo leva e pela aparente hesitação nesta reta final, fica a sensação estranha de que este é um projeto envergonhado da atual direção.
Independentemente disso, acredito que o Benfica terá uma grande vitória democrática no dia 8 de março, sucedendo, se possível, a duas outras — de cariz preferencialmente autoritário — já amanhã, frente ao Barcelona, e na tarde de sábado, frente ao Nacional. Vamos a eles e vamos à democracia.
Viva o Benfica!
Vasco Mendonça, in a Bola
Sem comentários:
Enviar um comentário