quinta-feira, 20 de março de 2025

QUEREMOS MESMO UM FUTEBOL SEM ADEPTOS?

 


Um campeonato que permite estádios cada vez mais vazios ou que 'esconde' o público da televisão perde a sua essência e adensa a sua condição de competição periférica.

Eram audíveis. Segundo os dados da Liga Portugal, foram 4753. Praticamente a lotação máxima do Estádio dos Arcos. Foram genuinamente ruidosos, tanto os que torciam pelo Benfica quanto os do Rio Ave, equipa da casa, localizados na única bancada do recinto dos vila-condenses, outrora um dos maiores estádios fora dos grandes quando apresentava uma bancada gémea do outro lado, mas demolida há uns anos devido a problemas estruturais e falta de condições de segurança.
Eram audíveis, mas não eram visíveis. Mais uma vez, tal como acontece em todas as partidas em casa do Rio Ave, o telespetador deparava-se com um jogo de futebol marcado pelo vazio. Quem porventura assistiu com o som da TV desligado, ou tratando-se de uma pessoa sem capacidade auditiva, não terá encontrado muitas diferenças daqueles jogos de pré-época disputados nos arredores das grandes cidades da Suíça ou da Alemanha à porta fechada, mas com direito a sinal TV.
Haverá razões técnicas e financeiras de toda a espécie que justifiquem o facto de as câmaras se situarem na mesma bancada onde se encontra o público, deixando a gigantesca audiência do lado de cá da emissão sem acesso à fusão entre as pessoas e o jogo. Ouve-se, mas não se vê. A lente está de costas para o povo. Falta essência.
O tema não é novo, mas tem muito a ver com prioridades que tardam em ganhar raízes, nomeadamente com o desenvolvimento de um conceito que permita uma boa experiência para quem paga bilhete e para quem paga a assinatura. Que não se esgota no que acontece do minuto 1 ao minuto 90 mais a compensação. E que seguramente nunca pode deixar de fora (do assinante) a conexão visual com o povo que vai à bola. Já basta o que passámos na pandemia.
Isto vai muito para lá do Estádio dos Arcos, do operador televisivo, do preço dos bilhetes ou dos horários de certos jogos. É de cultura de espetáculo que se trata, de uma conquista que ainda não foi alcançada de forma transversal na grande competição nacional, com o interesse das partes ainda a sobrepor-se ao interesse geral – o de garantir a melhor experiência possível, para todos, com os meios existentes.
É apenas um detalhe, dirão uns, mas podemos colocar a questão ao contrário: não haveria engenho para encontrar outra solução se o primado do espetáculo estivesse no centro de todas as decisões, das mais estruturais às mais superficiais? O mesmo engenho (embora de recursos diferentes, é claro), por exemplo, que permitiu montar uma câmara para o VAR num poste de iluminação no estádio do Aves, no fundo para fazer face à obrigação de garantir as melhores condições possíveis para quem precisa da imagem, no caso o videoárbitro?
oltamos assim à questão de fundo: continuamos com uma liga demasiado desequilibrada, com estádios cada vez mais vazios, sem que os clubes pareçam sequer muito preocupados com as baixas afluências porque as receitas de bilheteira representam uma curta percentagem em comparação com a grande fatia, os direitos televisivos – houvesse uma verdadeira descriminação positiva e cada clube arranjaria forma de ter mais gente a ver os seus jogos.
Um campeonato que se apresente como uma entidade única (como será na centralização dos direitos), mas que afasta o povo das bancadas e, ocasionalmente, da própria TV, não pode aspirar mais do que à simples condição de uma prova periférica.
Fernando Urbano, in a Bola

Sem comentários:

Enviar um comentário