«Estes homens têm de perceber que são uma referência pedagógica para muita gente», explica alguém bem-intencionado na televisão. Não tenho que discordar, mas não me revejo especialmente. Tem-se por hábito falar do profundo exemplo que os futebolistas devem representar para a sociedade, em particular para as crianças deste país.
Compreendo a importância cultural do futebol e nada me move contra os indivíduos que exercem esta profissão, até porque alguns são meus heróis de infância ou da vida inteira, mas não me lembro de ter visto muitas vezes um futebolista fazer algo que me fizesse chamar os meus filhos para lhes dizer: «Estão a ver? É este exemplo que vocês devem seguir!»
Pode parecer que é uma crítica aos futebolistas, mas não. É uma simples constatação de que não conto com futebolistas para formarem uma ideia de sociedade ou de boas maneiras junto dos meus descendentes, e que não vem daí mal ao mundo. Se acontecer, nada contra, mas tenho apostado noutros exemplos para inspirar a sua educação cidadã e cultura desportiva.
Serve isto para dizer que não espero do jogador Matheus Reis que, ao minuto 90+4 de uma partida de futebol que se encontrava a perder, esteja consciente do seu lugar de pedagogo na sociedade. A minha única expectativa vem antes disso, na evolução da espécie humana: do Matheus Reis, eu espero apenas que compita com mínimos olímpicos de lealdade e não se comporte como um selvagem. Lamentavelmente, os mínimos não foram atingidos.
Pode parecer uma palavra dura, mas alguém que pisa a cabeça de um adversário com pitons, celebra esse mesmo ato horas depois nas redes sociais e, no dia seguinte, aparenta justificar as suas ações explicando que os «leões rugem», é, essencialmente, um selvagem. Um selvagem convosco. E não estou certo de que a mera suspensão por meia dúzia de jogos seja a solução para este caso de violência celebrada pelo autor da agressão — um caso que, à hora em que escrevo este texto, continua a ser ignorado pela Direção do clube e por todas as entidades que deveriam reagir ao sucedido e fazer disto um exemplo, quem sabe um dos tais para as crianças que esperam ver nisto uma escola.
Vale a pena registar a sonsice do campeão do desportivismo, Frederico Varandas, que há poucos dias subiu a uma varanda para discorrer sobre valores no desporto e rivalidades, com a bazófia típica de quem ganhou e, por isso, tem lições para oferecer ao mundo. Hoje permanece calado, para vergonha, inclusive, de muitos adeptos do seu clube.
No que toca ao comportamento do Matheus Reis, não estamos no domínio da opinião. Todos pudemos constatar o que se passou. Não há uma suspeita, há prova de uma agressão bárbara testemunhada por milhares. Não há investigação a conduzir, averiguação a realizar, nem perícia que nos falte. É — mesmo — assim tão escandaloso. Aliás, soube segunda-feira, foram 33 as câmaras que filmaram este jogo. Pasme-se: as únicas pessoas que não viram o que se passou foram um fiscal de linha e um VAR aos quais uma denúncia de má-fé não faria a devida justiça, como concordariam muitos correlegionários se eu lhes pedisse para utilizarem português corrente por forma a classificar aquilo que se passou.
É um facto que também não conto com os árbitros para educarem os meus filhos, mas também destes profissionais espero mínimos de competência, boa-fé, sei lá, capacidade para admitir um erro. Deles e de quem os dirige, os premeia ou, como se tem verificado semanalmente, os protege para lá de qualquer margem aceitável. Pois bem, as horas vão passando. Aguardei pacientemente por mínimos de competência, boa-fé, capacidade demonstrada para admitir o erro. Zero, zero, zero.
Não é caso para menos: se o agressor é um selvagem, quem o patrocina ou autoriza desta forma é uma vergonha. E, por muito que se possa apontar falta de competência ao Benfica em momentos do jogo da final, é difícil compreender como tantas pessoas, através de atos que não podem ser tolerados num estádio de futebol — as mesmas pessoas que tantas vezes pedem mais decência a quem se senta nas bancadas — puderam, em conjunto, criar as condições para que o Benfica fosse privado de um troféu.
Eu espero sanções exemplares para todos os intervenientes que patrocinaram este episódio no Jamor, e a única sanção exemplar será o afastamento do futebol profissional por um longo período de tempo.
Bom, agora que já estou mais calmo, permitam-me fazer uma coisa que tem acontecido poucas vezes nestas páginas: elogiar o comunicado publicado ontem pela Direção do Benfica. Foi preciso esperar quatro anos e chegarmos à véspera de eleições, com todos os troféus desta época perdidos, para que a Direção achasse por bem libertar uma reação que é a mãe de todas as reações.
Penso ter percebido a estratégia: talvez assim se faça esquecer todos os silêncios que foram deixando a situação chegar até aqui ou, quem sabe, as múltiplas decisões institucionais do nosso futebol em que o presidente do Benfica votou ao lado de Frederico Varandas. Mais vale tarde do que nunca, não é?
Assim sendo, registo com agrado este novo comunicado. O tom, duríssimo, não deixa pedra sobre pedra e promete finalmente fazer respeitar o Benfica, em especial nas jornadas que faltam desta Liga e na segunda mão da final da Taça de Portugal. É isto, não é?
Vasco Mendonça, in a Bola

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