quinta-feira, 9 de maio de 2019

MEDO CÉNICO?


Que tremor nas pernas foi aquele que nos deu a todos no sábado na Luz, logo seguido de uma emoção quase absoluta nos festejos dos golos de Rafa, para depois, no final, deixarem lágrimas alguns jogadores mais apaixonados? Recorro ao mago Valdano para encontrar a resposta. Resgatando uma expressão cunhada por Garcia Marquez, Valdano captou com precisão aquilo que os adversários sentiam nas noites europeias do Real Madrid dos anos oitenta. O argentino falava de "medo Cénico" para se referir ao ambiente épico do Santiago Bernabéu. Ao entrar em campo, os adversários temiam os jogadores do Real, mas, de forma igualmente pungente, o público nas bancadas. Era essa combinação que tornava possíveis remontadas míticas. O corolário resulta claro : uma grande equipa tem de ser construída a partir de grandes jogadores, mas, também, da capacidade emocional para enfrentar a insegurança, a inibição e até o medo. Com a aproximação a um título que se julgada inalcançável, o medo cénico pressente-se na bancada da Luz e contagia os jogadores. Só que quem sofre não são os adversários, é o próprio Benfica. Há, contudo, uma forma de combater as "angústias pré-fabricadas" (para recorrer a outra expressão feliz de Valdano): fidelidade à identidade futebolística da equipa e pedagogia da tranquilidade. Fidelidade implica abordar as duas partidas em falta com o futebol impositivo que Lage trouxe ao Benfica. O melhor Benfica de Lage foi o Benfica de ataque continuado, com jogo interior imperativo e muita circulação de bola: o Benfica que nos faz sofrer é o que joga com os resultados, gerindo as expectativas. Acima de tudo, não nos podemos esquecer de que foi esta equipa, dita jovem e imatura, que ultrapassou sem "medo Cénico" e com uma maturidade avassaladora obstáculos que pareciam intransponíveis (de Alvalade ao Dragão, passando por Braga e Guimarães). Uma equipa que não foi planeada para formar o onze titular do Benfica. Depois do que se passou esta temporada, termos chegado aqui em primeiro é já uma conquista. Estamos em maio, a duas vitórias da glória (sim, devemos manter como objetivo os 87 pontos e, já agora, ultrapassar a barreira dos 100 golos). Mais relevante, chegámos até aqui sem alternativas nas laterais; com um central titular que, no início de época, não fazia parte do plantel: com um meio-campo composto por um jogador que não contava e um outro que estava na equipa B; e ainda dependentes de uma dupla de ataque formada por um jovem que ia tendo alguns minutos e um ponta-de-lança que pouco participou na pré-temporada. Uma equipa moldada por jogadores que se afirmaram de forma inesperada e que já demonstraram tanta fibra, não pode temer nenhum cenário. E se nós, desde a bancada, tememos alguma coisa é porque temos memória curta.

Pedro Adão e Silva

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