sábado, 29 de fevereiro de 2020

PAPOILAS E URTIGAS


"Ter sido fundado numa farmácia não livrou o Sport Lisboa e Benfica de ter sócios e adeptos com claras necessidades de medicação. Só assim se explica o que tem acontecido nas últimas semanas em redor da equipa principal de futebol masculino. A montanha-russa de sentimentos, o desrespeito pelos profissionais que a integram e a guerra aberta contra esta direcção quase não tem paralelo nestes 116 anos de história que hoje comemorarmos. Como é possível que, no momento em que mais necessitamos de união para derrotar um inimigo sem escrúpulos (e que vive da mentira, da coacção e da violência) as baterias sejam apontadas a Bruno Lage e sua equipa? Opiniões sobre táctica e desempenho de jogadores todos temos, é essa a beleza do futebol. Já o ataque pessoal e a desconfiança do mérito de uma equipa campeã (em benefício pessoal) são formas de mostrar o que pior existe na sociedade e no desporto. Vivemos tempos em que a mentira passou ser facto. E quando mais a repetem, mais o ruído se torna ensurdecedor. Os 24 homens que deram o pontapé inicial para uma história gloriosa em 1904 estariam longe que se tornou o seu clube: a grandiosidade, o ultrapassar de fronteiras, os títulos, o exemplo, o ecletismo, o papel social e político e o impacto na sociedade portuguesa ao longo dos séculos XX e XXI. Devem estar muito orgulhosos aqueles pioneiros, mas acredito que também devem olhar com tristeza e mágoa para aquilo que se tornou o desporto, e o futebol em especial.
O Sport Lisboa e Benfica é uma experiência social que deu certo. É o ponto de encontro de gente de esquerda e de direita, religiosos e ateus, brancos e pretos, homens, mulheres e crianças, novos e velhos. É por ser tão grande - demasiado grande, arrisco - que nas suas fileiras de sócios, adeptos e simpatizantes podemos até encontrar gente que não presta. É o problema da dimensão. Por capricho da natureza, há sempre uma urtiga a estragar um campo de papoilas, mas o olhar inteligente irá sempre apreciar muito mais a flor vermelha do que a erva daninha. Parabéns!"

Ricardo Santos, in O Benfica

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