"O fim do maior pesadelo da acabadinha de cumprir centenária história Gloriosa, estava ao virar de uma esquina de 90 minutos em terras invictas aos quadradinhos. Com a ansiedade a bater o céu, fui cedo para o Café Barrinhos e ocupei o lugar mais próximo da televisão. Nem a cerveja que já começara a escorrer por todo o lado acalmava o nervosismo. Batiam os pés no chão, tamborilavam os dedos na mesa, miravam o tecto os féretros oculares. A sala foi-se compondo de convivas à espera do título. No meu lugar fui medindo distâncias para as cadeiras e mesas vizinhas, prevenindo pontapés aqui e encontrões ali nos momentos de festejo.
A natureza expansiva das minhas reacções à evolução dos jogos do Benfica eram bem conhecidas e melhor recebidas por ali. A queda para o calão ordinarote também não me provocava engulhos nem reclamações adversas do taberneiro nem dos restantes fregueses. Foi neste plano de condições aceites por todos que a poucos segundos do início da partida, entrou pela porta o meu Tio Galito, homem habituado ao meu vocabulário Benfiquista por ter já partilhado vasto número de partidas comigo, acompanhado da esposa, a minha Tia Ana, senhora que me teria numa prateleira bem mais respeitável, por me conhecer apenas no plano familiar.
Varado por uma pinga de pânico pelo que pudesse sair da minha boca na seguinte hora e meia e encharcado por baldes cheios de desânimo por ser logo “aquele” o jogo que exigiria de mim um controlo emocional nunca dantes alcançado, ouvi o silvo que deu início ao fim de 11 anos de seca. Com bola a rolar havia pouquíssimos minutos, sem saber precisar quantos exactos, Simão pega na bola, passa por um boavisteiro, desenleia-se do segundo portuense e ao terceiro vestido com camisola esquisita é atirado ao chão em falta. Sentadinho, impávido e efervescente na minha cadeira, oiço lá de trás troar a voz da Senhora Minha Tia Ana “óóóhhh rasteirou o Simãozinho… filho da puta, filho da puta, filho da puta”, abrindo as portas para o chavasco verbal que daí até final coroou a festa de arromba desse dia.
Tenho saudades da estrica de ver um jogo do Sport Lisboa e Benfica, do palavrão sentido no falhanço, da cadeira a voar no gamanço, dos joelhos a deslizar no golaço. Tenho falta de gritar aos putos que passam em frente ao ecrã, de pedir desculpa ao senhor do banco da frente pela enésima joelhada na cabeça, de conduzir nas ânsias de não chegar atrasado ao jogo. Preciso de me preocupar em não fazer barba em dia de jogo, estacionar no mesmo sítio longe do café e “prender o burrinho” porque já alguém se sentou no meu lugar. Necessito de sentir a boa disposição incontida de ver o Benfica ganhar… caramba, nos dias que correm, até da agonia deprimente de ver o Glorioso perder sinto falta."
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