"Félix, o flexível
A transferência de João Félix do Atlético de Madrid para o Chelsea é como a passagem de uma penitenciária de alta segurança para uma cadeia de colarinhos brancos em regime aberto. Das sevícias do torcionário Cholo Simeone, o inflexível, para a inteligência emocional de Graham Potter, o flexível.
Ainda não será a liberdade plena, mas pelo menos um regime aberto, condicionado apenas ao curto prazo de adaptação num contrato de empréstimo temporário, que vai dar espaço e enquadramento às reais capacidades do jogador português. Assim como a opção tomada ao sair do Benfica era previsivelmente errada, contra a opinião de muitos observadores nacionais e internacionais, também esta solução temporária, na sequência do grito de socorro que lançou no Catar, pode ainda não ser o destino final adequado, empurrando para o verão uma decisão definitiva sobre o rumo a tomar. Mas reabre uma janela para a carreira de sucesso que se lhe vaticinava há quatro anos.
Uma faceta interessante deste negócio é a afinidade pessoal e profissional entre o novo treinador do Chelsea e o novo seleccionador de Portugal, Roberto Martinez, cuja “entourage” terá influenciado o início da carreira de Potter quer na Suécia, quer no Swansea: ambos se declaram defensores da “flexibilidade táctica” de espírito ofensivo, em função dos adversários.
Ora as flexibilidades técnica e táctica de João Félix, aliadas a talento e criatividade sem limites, são características que o distinguem como um dos mais extravagantes jogadores numa era do futebol “aprisionado” por treinadores resultadistas. Do 5.º lugar em Espanha para o 10.º em Inglaterra, não se pode liminarmente considerar que a carreira do jovem português tenha melhorado, mas o contexto favorece-o, desde logo pela continuidade na Liga dos Campeões: em Stamford Bridge há condições para recuperar o protagonismo perdido, projectando-o para a seleção, como expoente de uma geração ainda mais prometedora do que a anterior. O Chelsea está muito mais perto do patamar cimeiro do futebol europeu do que o Atlético.
O desafio de Potter de adaptar e fazê-lo evoluir é semelhante ao dos produtores de Hollywood que ao longo de décadas tentaram atualizar as características singulares do primeiro herói dos desenhos animados, da rigidez do cinema mudo e a preto e branco, para as sete vidas coloridas do Gato Felix com sua mochila de truques, em concorrência com o Rato Mickey e os outros ícones da Disney: conquistar público sem perder a magia."
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