"A geringonça do Seixal
Depois do simplesmente Bah e de Aursnes, o nome com três vogais mais difícil de pronunciar no universo do futebol, chegam o Tengstedt e o Schjelderup. Até parece que o Benfica gastou 16 milhões de euros para se vingar dos comentadores das televisões que infernizam a vida do seu departamento de comunicação com horas e horas de verrina, inuendos e conjecturas sobre os casos e casinhos da vida do clube mais discutido do país.
Esta é a primeira consequência direta da drástica deriva de azimute do “scouting” encarnado, da América do Sul para o norte da Europa.
Alex, Fredrik, Casper e Andreas, chamemos-lhes assim para evitar aftas e perdigotos, despertam a nostalgia pelos tempos dos “altos, louros e toscos” que marcaram a história encarnada pela visão do mais influente e revolucionário treinador estrangeiro que passou por Portugal nos últimos 50 anos, precisamente o sueco Erikson, com quem o alemão Schmidt vem sendo comparado, pela fleuma, pela educação e pela firmeza conceptual.
Também Stromberg e Manniche chegaram à Luz como “jogadores do treinador”, totalmente desconhecidos num tempo sem tráfego digital, por pedidos cirúrgicos para suprir falhas do plantel. As vagas seguintes dos mares do norte, de Thern, Schwarz e Magnusson, já deram à costa com a serenidade das pescarias de rotina. O desengonçado Stromberg, primeiro percursor do box-to-box dos nossos tempos, bem como o inortodoxo Manniche foram muito bem recebidos e adoptados, porque, ao seu jeito ou falta dele, ambos simplesmente entregavam soluções: força e abrangência de jogo do médio, combatividade e golos do avançado. E os sucessores ainda aumentaram a identificação do Benfica, como nenhum outro clube português, àquele futebol de fusão que, desde o Mundial de 1958, influenciou positivamente o tipo de jogo de vários países e clubes grandes do sul europeu, em particular, os italianos.
Numa era em que os estrangeiros se contavam a dedo, Erikson montou uma geringonça futebolística com portugueses e nórdicos que dominou por cá e assustou a Europa durante quase dez anos, além de ter iniciado com Stromberg a exportação de jogadores com fabulosas mais-valias.
Nos tempos erráticos que o Benfica viveu a seguir - antes e durante o Vieirismo -, o filão escandinavo emergia sempre do nevoeiro das soluções de recurso como o Freyr, deus Viking da abundância, para remédio milagroso do mau futebol e dos péssimos resultados, por meio de um estilo de jogo radical que se casava com a tradição encarnada como o gelo tempera a paixão. Foi assim que apareceu um atípico Pringle, alto e tosco mas não louro, que não sabia se era defesa ou avançado e conduziu ao encerramento da mina, para não obscurecer o prestígio dos antecessores.
E assim, após longos anos de abandono deste filão em contraste com o resto da Europa mais desenvolvida no futebol, estamos no limiar de uma nova engenhoca luso-viking, fundindo as bases do Seixal com o diferencial nórdico, agora distante do clichê fisionómico, porque a escola dinamarquesa, em particular, se desenvolveu a partir da “geração Laudrup” e vem oferecendo inúmeros jogadores com enorme facilidade de adaptação, a qualquer liga europeia, fortes fisicamente, sempre, mas muito fiáveis tacticamente e desenvoltos tecnicamente.
Ao fim de seis meses de trabalho, Schmidt terá concluído que as soluções do Seixal estavam esgotadas, por agora, para decepção dos adeptos encarnados, ávidos do sucesso dos seus meninos. António Silva, Florentino e Gonçalo Ramos são, no entanto, muito mais do que o exigível: três titulares num ano é um rendimento três vezes superior à média realista de um jogador por ano saído da formação, tal como já se desejava nos tempos em que Fernando Martins abriu, finalmente, as portas da Luz aos profissionais suecos e dinamarqueses.
Pela sua juventude, o novo Darwin e o extremo que faltava entram diretamente no catálogo dos 100 milhões, o que diz tudo sobre a estratégia da atual direção do Benfica para a sua máquina de descobrir, transformar e vender jogadores, quase quatro anos depois do último título."
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