segunda-feira, 31 de julho de 2023

DESCULPE, IMPORTA-SE QUE REMATE?!

 


"É difícil afirmar-se que falta ‘instinto fatal’ ao ataque do Benfica depois de se ter visto as águias marcarem 11 golos nos quatro primeiros jogos desta pré-temporada. Mas creio que é fácil reconhecer-se que foi, sobretudo, isso que lhe faltou ao quinto jogo, na noite desta terça-feira, no emprestado Estádio do Restelo, frente ao Burnley, recém-regressado à Premier League inglesa pela mão do belga Vicent Kompany (ex-jogador do Manchester City), que aos 37 anos já levou, por exemplo, Pep Guardiola a predestinar-lhe já bem-sucedida vida como treinador. Com ele, o Burnley venceu o Championship (segunda liga) e obteve 34 vitórias no total de 54 jogos da época.
A vitória do Burnley, conseguida com a justiça de quem soube aproveitar o que teve, não retira, porém, uma vírgula à perceção de que as duas caras do Benfica no jogo (mais uma vez um onze em cada parte) não foram capazes de mostrar suficiente instinto para transformar em golos o muito do bom futebol criado. Em suma, não sei se falta ‘veneno’ à águia, mas foi o que lhe faltou no jogo com o Burnley.
Pareceu, desta vez, o Benfica uma daquelas equipas românticas que sabem jogar, sabem organizar, sabem criar, adornar, rendilhar, dinamizar, executar, florear, mas não têm a frieza de decidir melhor e no melhor momento na hora de concluir na área adversária o que deu, por vezes, tanto trabalho a criar.
Servem, naturalmente, os jogos de pré-temporada para afinar o processo de jogo. E o Benfica mostra, na realidade, ter o processo já bastante afinado, no sentido em que a equipa respira saúde física, já está apreciavelmente oleada, quer na ação ofensiva quer na defensiva, e uma qualidade técnica que não surpreende pelo conhecido talento de grande parte dos jogadores campeões mais a evidente classe e dimensão de Dí Maria e o potencial do jovem Kekçu, que não engana e será, aos 22 anos, um dos mais promissores médios que a próxima edição da Liga dos Campeões terá a oportunidade de observar.
Mas apesar dos tais 11 golos marcados a Southampton (2), Basileia (3), Al Nassr (4) e Celta de Vigo (2), o que a águia mostrou – mais uma vez, deixo o sublinhado – no jogo com o Burnley foi algo muito visto, apesar de tudo, na última época: remata pouco, decide demasiadas vezes mal o último passe, não aproveita, assim, o domínio atacante que dá tantas vezes, e tão claramente, a ideia de conseguir. Na gíria, dir-se-á que o Benfica tem muito menos golo do que parece prometer o futebol que joga.
É possível que o treinador Roger Schmidt não fique tão preocupado com o tema como terão, certamente, ficado os imensos adeptos do Benfica que foram até ao Estádio do Restelo (que bom ver como organizações distintas são capazes de se entender para benefício do futebol e que bom ver o magnífico exemplo dado, agora, pela direção de Patrick Morais de Carvalho no Belenenses) para assistir ao único jogo de preparação das águias realizado em Lisboa. Afinal de contas, na última época, a equipa de Roger Schmidt fez 131 golos em 55 jogos em todas as competições oficiais, o que dá uma bastante positiva média superior a dois golos por jogo.
Se nada se alterar até ao fecho do mercado de transferências, a equipa continuará a contar com o crescimento de Gonçalo Ramos, um jogador ao qual se exigirá talvez demais para a jovem idade que tem, vai ter de acreditar em Musa e ter fé que o jovem Tengstedt venha a mostrar porque levou o Benfica a decidir pagar por ele qualquer coisa como 7,5 milhões de euros.
Mas é óbvio que os golos que a equipa de Schmidt vier a fazer (ou não fazer) dependerão, ainda, e muito, do que forem capazes de desequilibrar jogadores como Rafa, João Mário, Kokçu, David Neres ou o inigualável Dí Maria.
Ter golo, ouve-se entre os profissionais do futebol, é ter frieza, instinto, veneno, sentido predador, decisão, sentido de oportunidade, remate, capacidade de executar sem grande preparação.
Parece-me, porém. que será muito injusto fazer cair sobre o jovem Gonçalo Guedes a responsabilidade de encontrar a solução que deve caber a muitos. Claro que se lhe pedirá, de novo, que chegue, pelo menos, aos mesmos 27 golos no total de 47 jogos que fez pelo Benfica na última temporada (média superior a 1,5 golos por jogo).
Mas assim como os 11 golos feitos pelas águias em quatro jogos desta pré-época têm um valor muito relativo (pré-época é sempre pré-época) também o jogo em branco desta terça-feira se enquadra facilmente na ideia de uma andorinha não fazer a primavera.
O que não deve é levar treinador e jogadores do Benfica a agarrarem-se simplesmente a esses ‘clichés’ e a julgar que para o golo aparecer basta jogar muito para a frente. Não creio que seja verdade e o futebol está cansado de o mostrar.
Frente ao Burnley, já a pressão alta do Benfica não funcionou tão bem e perante a boa organização da equipa inglesa, os encarnados sentiram dificuldades a defender. Por outro lado, foi a pressão alta do Burnley que causou mossa na saída de bola do Benfica, a partir de trás. Quando a pressão do adversário s torna eficaz, como foi o caso, das duas uma: ou se mete a bola na frente e corre-se o risco de a perder de imediato, ou é preciso que os médios ou atacantes se movimentem rápido na procura do espaço onde os companheiros possam colocar a bola com a mínima segurança. Se ficarem parados a ver o que dá (como nalguns momentos se viu entre as águias no jogo do Restelo) podem contar com muita dificuldade a sair com a bola da zona defensiva.
No fundo, o que o Burnley fez (bem) ao Benfica (essa pressão alta muito forte, como é expressa na linguagem do futebol) foi o que o Benfica quis fazer (nem sempre bem) ao Burnley. E é o que quer, no fundo, fazer a todos os adversários, porque esse é ponto essencial do modelo de jogo de Roger Schmidt.
A questão, porém, não é o querer; a questão é a da eficácia pretenbdida quando se pressiona. E nessa matéria, a equipa não pode dar-se ao luxo de ser ‘macia’, pressionar apenas com dois ou três e não ser agressiva no momento da marcação; a pressão alta é um momento que exige orquestra muito afinada e músicos muito disciplinados, dedicados e com muita intensidade na procura da melhor nota. Se vão os tambores e ficam os violinos, não se ouvirá música, mas ruído!"

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