Indiferente aos meus humores ou às minhas vontades, o mundo muda, expande e contrai. Os motivos nem sempre são claros, mas, quando o Benfica ganha, tudo parece um pouco melhor, o sol brilha e a vida lá fora parece seguir na direção certa. É mesmo a melhor forma de andar nisto. Às vezes, o mundo até muda sem que demos por isso ou compreendamos exatamente porquê, mas estamos ocupados com o sabor inebriante de algumas vitórias consecutivas.
Por exemplo, se perguntar a um benfiquista comum o que levou o seu clube a apoiar o vencedor das eleições para a Federação Portuguesa de Futebol, e agora presidente desta entidade que tutela o nosso futebol, esse benfiquista não saberá explicar, pelo simples motivo de que essa explicação nunca foi dada. Parece um pormenor, até um dia deixar de ser. Podia, sei lá, ter-se dado o caso de o Benfica ter vencido muitos jogos na altura em que essa explicação era esperada, e talvez o presidente do Benfica, sempre à cata dos ventos favoráveis, entendesse que o momento lhe permitia falar de tudo, até mesmo das eleições na FPF, mas esse dia não terá chegado; isso ou os motivos não podem ser partilhados com o mundo. Entretanto, o mundo avança e suspeito que, um dia destes, vamos dar por nós a perguntar por aquilo que permanece sem resposta.
Esta semana tivemos o regresso dos comunicados ao futebol português. Depois de um silêncio recomendável de Benfica e Sporting na semana anterior, os presidentes e os diretores de comunicação abriram as comportas. Foram notas de imprensa, posts nas redes sociais, entrevistas, aparições públicas, de tudo um pouco. Um festival de palavras fortes e posições firmes que fez desconfiar a mais ingénua das vítimas. Resultado final? O bate-boca ainda prossegue enquanto escrevo estas linhas, mas podemos já declarar um vencedor. Ganhou a única das três equipas que decidiu recorrer à técnica ancestral de demonstrar dentro de campo aquilo que se diz cá fora.
Em rigor, o Benfica só se juntou à festa depois de vencer o seu jogo de forma esclarecedora. É revelador de maior prudência, apesar de uma reação à arbitragem dos outros que não me pareceu necessária, ainda que tenha animado as hostes. Até o presidente Rui Costa parece mais leve após as últimas semanas. Descobriu, por exemplo, que não precisa de dar uma entrevista para explicar o mercado. Basta, para isso, ir ao mercado contratar jogadores que respondem pelo presidente e nos explicam com futebol. É realmente extraordinário o quanto os bons futebolistas podem facilitar a vida a um departamento de comunicação. Enquanto Rui Borges, Varandas, Villas-Boas e Anselmi lamentam a sua sorte e se desculpam com variáveis que não sabem controlar, o Benfica vai conquistando jardas, Bruno Lage vai parecendo mais confiante e o mundo vai relembrando aos mais distraídos que jogar à bola é mesmo o melhor comunicado.
Em termos de jogo jogado, que é o que mais interessa, o Benfica parece ter desencantado quatro bons reforços em janeiro, com um acerto que tem sido muito raro na atual direção. É cedo para tirar conclusões categóricas, mas já vimos futebol que chegue para ficarmos com boas impressões. Se o arranque pragmático do Manu foi interrompido por um enorme azar, podemos respirar fundo e dizer que, neste momento, não há novos lesionados. Bruma é o tipo de reforço de inverno que leva qualquer adepto de futebol munido de senso comum a perguntar por que não há mais reforços de inverno como ele. O impacto produzido foi imediato e decidiu jogos. Depois temos Belotti, um ponta de lança cujos primeiros minutos ao serviço do Benfica mais pareceram de pré-época, mas que apresentou um entusiasmante faro de golo no último sábado, não tendo saído de lá com um hat trick devido à exibição muito inspirada do guarda-redes do Boavista.
Deixei o reforço mais interessante para o fim. Samuel Dahl parece ter percebido rapidamente o que era pretendido dele. Forte a defender no meio-campo, inteligente com a bola nos pés, entrosado com Carreras e com Bruma, competente na bola parada, criterioso no resto e aparentemente dado ao trabalho árduo sem grande folclore. Faz lembrar um pouco a rapidez com que Fredrik Aursnes conquistou os benfiquistas. Não houve cá adaptações ao clima, à bola, aos colegas, ao contexto, e muito menos lesões mal curadas. Não custou uma fortuna, não recebe uma fortuna no final de cada mês, não tentou convencer-nos de que é um génio, não utilizou a terceira pessoa do singular para explicar que tipo de jogador e, aliás, quase não lhe ouvi uma palavra. Tudo coisas boas. Contratámos um futebolista para nos resolver um problema um pouco como chamaríamos um funcionário das chaves do Areeiro para nos ajudar a entrar em casa novamente. Samuel Dahl apareceu discretamente com umas radiografias e resolveu o problema em cinco minutos. É tão raro os problemas do Benfica serem resolvidos com esta rapidez que uma pessoa até fica atordoada com a eficácia absolutamente sóbria deste jovem.
Por último, leio nas redes sociais que só quatro clubes da Liga Portuguesa não mudaram de treinador esta época, mais uma demonstração da mentalidade de startup dos nossos dirigentes, que só descansarão quando a sua SAD for um unicórnio cotado na bolsa de Nova Iorque. Enquanto esse dia não chega, apetece perguntar o que deveria ser mais longo: o tempo de um treinador num clube ou o mandato de um presidente? Qual destes demonstrou ser mais competente no tempo de que dispôs?
Os quatro treinadores resistentes — Vasco Matos (Santa Clara), João Pereira (Casa Pia), Ian Cathro (Estoril) e Tiago Margarido (Nacional) — são responsáveis por uma descoberta notável: aparentemente, o tempo que lhes foi dado para continuarem a desenvolver o seu trabalho trouxe resultados positivos e maior consistência exibicional. Espantoso. Tenhamos tempo para refletir sobre este fenómeno surpreendente.
Vasco Mendonça, in a Bola
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