"Entre o benfiquismo do meu pai e o catolicismo da minha mãe, escolhi o Benfica. E isto não quer dizer que não recorra ao segundo para interceder pelo primeiro. Um pequeno empurrão divino (semelhante ao que enfeitiçou o braço de Vata na antiga Luz) é sempre um bom acréscimo de ânimo, até para aqueles que nos parecem infalíveis.
Crescemos a achar que os nossos heróis usam capa vermelha. No meu caso, não tardei muito a descobrir que os meus heróis vestiam vermelho por inteiro, não era apenas a capa.
A Odisseia tem Ulisses, a Ilíada tem Aquiles e eu decidi que a minha epopeia teria o Benfica. Escolhi assim um par de homens de meias até à canela e mangas arregaçadas com onze posições diferentes em campo para as múltiplas outras onze ânsias dos corações que se comprometem a salvar. E o Benfica entra em cena colossal, sob um rol de aplausos e bandeiras galopantes.
Um herói nunca chega cedo. Benfica, voracidade do olhar, o deleite de quem folheava o jornal bebericando uma bica e comendo uma nata quente na esplanada e se demorava com uma falsa atenção sobre as letras garrafais e enegrecidas que acusavam o Banco Central Europeu e a dívida pública ou informavam sobre a taxa de natalidade e o IRS.
O que todos queriam era ter o Benfica manchado nos dedos e saber que a vida permanecia resguardada por uma resolução breve de o ter bem agarrado nas palmas das mãos. Sabem o que tortura um português? Aquele silêncio inusitado e entristecido que só Amália cantava e nos surge entre as palavras. O Benfica fouça esse silêncio com um sempre galante "E então, como vai o nosso Benfica?". Até nos faz esquecer as artroses, as contas por pagar e o colesterol a 250 mg/dL.
Há coisas que são unicamente nossas e jamais se esquecem: o nascimento dos filhos, o funeral dos pais, o dia do casamento, o penalti falhado do Veloso em Estugarda, os calções azuis do Magnusson, as luvas pretas do João Alves, a bojarda do Carlos Manuel no estádio das Antas e a camisola ondulante do João Pinto. És uma saudade frenética, Benfica. Se o Alexandre O’Neill me permite, confesso-te meu Benfica, se fosses só três sílabas…"
Simão Pedro, in Benfica Independente
Sem comentários:
Enviar um comentário