À boleia dos 40 anos do nosso CR7, o Canal 11 realizou entrevistas com diversos atores do futebol português que estão no futebol árabe. Destaca-se a entrevista a Jorge Jesus, atual treinador do Al Hilal. Uma entrevista rica em conteúdos sobre futebol. Para suportar a sua opinião sobre diversos assuntos da sua boa prática reflexiva, Jorge Jesus utilizou diversas vezes a expressão «isto não vem nos livros». Que o futebol não se aprende nos livros é uma ideia perigosa, principalmente quando vem de um treinador de sucesso como JJ. Há uma frase que eu gosto de lembrar a quem acha que os livros não ensinam nada e que ouvi pela primeira vez da boca do Professor Doutor Júlio Garganta: «Os livros não ensinam nada, principalmente a quem não os lê.»
É verdade que a aquisição de conhecimento pela prática é tão legítima como a aquisição de conhecimento por qualquer outra via. Contudo, é bom lembrar que a carreira de treinador de JJ começou na época 1989/1990 (35 anos de aprendizagem), com um 3.º lugar na então III Divisão Nacional, mas passou por momentos menos brilhantes até chegar a campeão nacional 20 anos depois, no Benfica. Coincidências, ou não, 1989 é o ano do primeiro título mundial das seleções jovens de Portugal: campeão Mundial de sub-20 na Arábia Saudita, sob o comando de Carlos Queiroz.
E aqui se juntam duas linhas de formação que no mundo fizeram a diferença, tornando Portugal como um pioneiro da formação de treinadores. Por um lado, tínhamos um conjunto de treinadores oriundos da prática (ex-jogadores), alguns com uma maior capacidade de reflexão sobre essa mesma prática que lhes permitia produzir conhecimento e inovar — Artur Jorge, nos anos 80, ou Fernando Santos, nos anos 90, são dois exemplos disto. Por outro lado, assistia-se ao crescimento, dentro do então designado ISEF, que após 1989 deu lugar à atual Faculdade de Motricidade Humana (FMH), do futebol nos livros. No à data chamado de Gabinete de Futebol, professores como Carlos Queiroz, Jesualdo Ferreira ou Nelo Vingada, entre outros, começavam a sistematizar e a escrever sobre futebol. Estando na academia e ao mesmo tempo na relva, como treinadores da formação da FPF, conseguiram transformar o conhecimento sobre o jogo, fazendo mais uma vez com que Portugal desse novos mundos ao mundo, desta vez no mundo do futebol.
Daí para cá, outros nomes têm brilhado, sendo José Mourinho a maior dessas estrelas. José Mourinho que, refira-se, é o exemplo maior da sorte que é poder juntar diversas formas de formação e aquisição do conhecimento. Nascido numa família de futebol, viveu desde menino dentro de balneários e praticou o desporto-rei, ainda que nunca tenha chegado, como futebolista, a um nível elevado. Reconhecendo cedo esta limitação, foi ler livros e ouvir quem os escrevia, sempre com a necessidade de saber o porquê das coisas e transformando essa informação em conhecimento. Outros se seguiram e o que vai sendo comum é ver que os que têm mais sucesso são os que melhor juntam as diversas fontes de informação, da relva aos livros, e transformam essa informação em conhecimento.
Hoje, o produto treinador de futebol português (vamos designá-lo assim com o máximo respeito e devido agradecimento a quem dele faz parte) é reconhecido com selo de qualidade e que se espalha por todo o mundo. De São Paulo a Riade, de Luanda a Istambul ou de Lisboa a Kokkola, na Finlândia (63º50’N), o treinador português, com a sua formação, continua a dar cartas e a brilhar, vencendo competições e/ou criando jogadores para o mundo. Com mais ou menos livros lidos.
Fernando Gomes, in a Bola
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