quarta-feira, 14 de maio de 2025

UM BENFICA DO TAMANHO DOS BENFIQUISTAS



 Costuma dizer-se que nenhum plano sobrevive ao primeiro contacto com o inimigo, e o jogo de sábado foi violentamente rápido a demonstrar-nos isso. Este é talvez o texto que menos vontade tenho de escrever desde que ocupo esta página. Da mesma forma que não me apeteceu muito consultar jornais nos dias anteriores ao jogo, por me alimentarem a ansiedade, continuo um pouco fora do mundo, amargurado com o que se passou este fim de semana, sem uma enorme vontade de saber o que todos os analistas pensam sobre o assunto. Tenho ainda menos vontade de desatar a fazer autópsias, nomeadamente porque continuamos vivos. Pouco mais me interessa nesta fase do que continuar a acreditar e ver a equipa transmitir exatamente o mesmo sentimento.

Voltemos ao plano e ao seu inimigo. A ideia do Benfica, interpretada de forma única pelos seus adeptos um pouco por toda a parte, mas também comunicada naquilo que o onze inicial parecia capaz de oferecer, era subjugar o Sporting à melhor versão do nosso futebol esta época: uma combinação de agressividade, força bruta, vontade e até uma certa pressa de vencer, que, aliada ao talento e à experiência superior do plantel do Benfica em jogos a doer, faria a equipa levar a melhor e controlar o jogo. No melhor cenário possível, tudo isto aconteceria com relativa naturalidade. Infelizmente, o plano do Sporting levou a melhor logo nos primeiros minutos e a dureza do golpe fez-se sentir durante toda a primeira parte. É complicado dizer agora que todas as opções de Lage estavam erradas, primeiro porque não me parece ser o caso, segundo porque a teoria subjacente às mesmas parecia certa.
A ideia de um último jogo de Di María na Luz, nestas circunstâncias, depois de todos os ambientes de enorme pressão em que o argentino já passeou a sua classe, parecia escrita para um final muito feliz. Assim que vi o onze, convenci-me de que essa opção seria vencedora. O facto é que Di María acabou por não ter um jogo inspirado. A ele juntaram-se dez colegas um pouco atordoados pelo impacto inicial e provavelmente um treinador que nunca precisou tanto de tempo para pensar quando tempo era exatamente aquilo que não tinha. Em suma, demos 45 minutos de avanço numa final. Raramente o que resulta daí é uma vitória.
Apesar do empate de sábado, mantenho que o Benfica é mais forte do que o Sporting, pelo menos em tese, se nos basearmos nas melhores versões demonstradas pelas duas equipas até aqui: uma (Benfica) mais capaz de operar coletivamente e demonstrar, nos seus momentos mais solidários e intensos, um futebol difícil de travar até nas competições europeias. O problema é, de facto, o nível de consistência e regularidade com que essa versão se apresenta em campo, e durante quanto tempo por jogo. Já a melhor versão do Sporting está quase totalmente dependente de um finalizador de qualidade excecional, Gyokeres, e de um dos centrocampistas mais equilibrados do futebol português, Morten Hjulmand.
Sei o que vale o Benfica sem alguns dos seus melhores jogadores e já vi a equipa vencer vários jogos sem a sua presença em campo. Também sei o que vale o Sporting, e não é por acaso que tanta gente teme pela ausência de Hjulmand no jogo contra o Vitória de Guimarães. Seriam insensatos se subestimassem a importância do jogador, e farão bem em passar os próximos dias a calmantes. Futebolisticamente falando, desejo-lhes naturalmente o pior para o próximo sábado e para o dérbi que falta disputarmos esta época.
Espero encontrar a melhor versão do Benfica no próximo sábado. Em primeiro lugar, importa limpar uma certa imagem que ficou, um medo de ser feliz que transpareceu do dérbi. Em retrospetiva, é difícil determinar se o ambiente intimidou os jogadores. Aconteceu tudo demasiado depressa e o contexto tornou-se muito adverso. Seria fácil criticar agora, mas não tenho dúvidas de que todos os jogadores queriam muito vencer aquele jogo e dar uma alegria gigantesca aos adeptos. Convém seguir por aí. Só essa crença nos resta neste momento — e ainda pode valer muito.
Fazer o trabalho necessário para deixar uma última impressão positiva. Se o fizerem, demonstrarão algo que foi caracterizando o percurso rocambolesco da equipa ao longo desta Liga: esta equipa já caiu várias vezes, mas foi sabendo levantar-se. Que o façamos mais uma vez e, quem sabe, ainda acabamos a sorrir. É uma enorme ansiedade dependermos de terceiros, mas, como diria um treinador tetracampeão nacional pelo Benfica, se fosse fácil não era para nós. Teremos todos oportunidade de discutir e pensar nas dimensões maiores indicativas daquilo que foi esta época, mas não é o momento para isso. Esta equipa e o seu treinador fizeram, apesar das inconsistências, o suficiente para que estejamos ao seu lado e acreditemos que ainda é possível.
Não ganhámos o jogo e não sou fã de vitórias morais, mas acho fundamental falar disto. Não consumi muitos jornais na última semana, mas fui vendo muito daquilo que os benfiquistas fizeram. Foi uma missão extraordinária. Já foi muito elogiada, mas nunca é de mais. É sempre comovente ver gente que, movida exclusivamente por entusiasmo e amor ao clube, dá tanto de si para retribuir. Ao longo daqueles dias muito longos que precederam o jogo do século, como lhe chamaram, os adeptos estiveram à altura. A receção ao autocarro da equipa vai permanecer como o momento mais memorável desse dia, e é bastante justo que assim seja. Os benfiquistas foram mesmo o MVP deste dérbi e merecem celebrar o título nacional no próximo sábado. Espero um Benfica do tamanho dos seus adeptos — e que seja feita a sua enorme vontade.
Vasco Mendonça, in a Bola

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