quarta-feira, 13 de agosto de 2025

MANTA DO NICE MUITO CURTA PARA O TAMANHO DO BENFICA



A grande diferença entre as equipas, individual e coletivamente, não ficou suficientemente espelhada no resultado. Encarnados podiam, na segunda metade do tempo complementar, ter chegado à goleada, mas não foram assertivos no último passe. Segue-se... Mourinho.
Foram 64.500 os espectadores que decidiram presenciar, ao vivo e a cores, o Benfica a carimbar o passaporte para o play-off da Champions, de uma forma que não deixou dúvidas a ninguém, dando sempre a sensação de que, cada vez que metia mais velocidade no jogo, esboroava a estrutura atrasada de um Nice que vale mais pelos desdobramentos ofensivos do que pela solidez defensiva.
O jogo começou como se esperava, com uma entrada forte do Nice, à procura de um elemento que pudesse lançar dúvidas na equipa de Bruno Lage. Aliás, os dez primeiros minutos do encontro, em que a equipa do sul de França ainda pregou um susto, a Trubin (3 minutos), que resolveu bem o problema, mostraram um Benfica que só parecia ter pressa em não ter pressa, a sair a jogar de trás, lentamente, como que se tivesse preguiça em pegar nas operações. Este estado letárgico acabou com dois ou três safanões no jogo de Schjelderup, algumas vantagens numéricas ganhas por Aursnes, em incursões da direita para o meio, e uns quantos passes bem medidos de Barrenechea, que tem vindo a subir de produção de jogo para jogo.




Assim, quando Aursnes, aos 18 minutos, a passe do compatriota Schjelderup (grande abertura de Barrenechea para o norueguês), colocou o Benfica na frente, as eventuais esperanças do Nice caíram por terra, e a partir desse momento o conjunto da Côte d’Azur passou a ter como objetivo principal sair da Luz com um resultado que não fosse humilhante. Para agravar a situação dos gauleses, aos 27 minutos, de um entendimento espetacular, na direita, entre Dedic e Aursnes surgiu o 2-0 por Schjelderup: com quatro golos de vantagem, as preocupações europeias do Benfica viraram-se para o Fenerbahçe, que promete outro tipo de luta, tendo com o Nice a semelhança de ser melhor a atacar do que a defender.
Já com 2-0, o Nice ainda teve um remate espetacular de Clauss (30), que embateu no ferro direito da baliza de Trubin, e Ivanovic podia ter reforçado a vantagem encarnada, a passe de Pavlidis (45+1). Mas uns e outros já sabiam qual o destino da eliminatória.
Quinze minutos 'chatos'
O primeiro quarto de hora da segunda parte foi um tédio, o Benfica a fazer de conta que atacava, mas apenas a trocar a bola em zonas recuadas, e o Nice a fazer de conta que pressionava, mas sobretudo preocupado em não desguarnecer a defesa. Este anticlímax para os adeptos do Benfica terminou aos 62 minutos, quando Schjelderup fez a bola embater na barra da baliza do Nice e, como que a aproveitar a embalagem, logo de seguida, Bruno Lage mandou para o campo Prestianni (Schjelderup), Barreiro (Ivanovic) e Florentino (Barrenechea). Muito por obra e graça do jovem argentino, o Benfica despertou e arrancou para alguns minutos de futebol solto e alegre, que desmontou peça a peça a defesa contrária. Mas a verdade é que a qualidade do último passe deixou muito a desejar, o que permitiu a Franck Haise operar três mudanças, de tração traseira, que ajudaram a reequilibrar o Nice.




Os minutos finais, já com Henrique Araújo em jogo (porque fez Ríos os 90 minutos, quando estava em manifesta perda a partir dos 75 minutos?) regressaram ao registo do começo da segunda parte, com toda a gente a olhar para o relógio, à espera que a função terminasse.
Benfica diferente
Cada jogo tem a sua história e a deste ficou marcada pelo resultado de Nice. Foi por isso que o Benfica, apesar de ter apostado no mesmo onze de França, apresentou dinâmicas muito diferentes, conservadoras, apostando numa estratégia que passava por chamar o adversário e depois tentar feri-lo nas costas dos defesas. Poder-se-á dizer que Bruno Lage foi pragmático, limitou esforços numa altura da época, como disse, em que está a fazer a preparação da equipa em jogos oficiais, mas este não é o figurino que melhor se adapta ao Benfica. Por várias razões: não só menoriza muito o papel do playmaker, Richard Ríos, que perante a consistência de Barrenechea ficou sem terrenos para pisar, como, sobretudo, aproveita mal o potencial da dupla Pavlidis-Ivanovic, mais talhada para um futebol com maior elaboração, velocidade nas transições e serviços das alas menos telegrafados.
É verdade, e se calhar isso era o mais importante, que o Benfica em momento algum teve a eliminatória em risco. Mas o potencial desta equipa não está na contenção, mora na proatividade, e Lage tem jogadores capazes de fazer pressão alta (raramente se viu), e meios para a equipa não ser obrigada a fazer uma dúzia de passes entre os defesas e o guarda-redes, até que este meta a bola na frente à espera que Pavlidis imponha o físico e a técnica.
Deste jogo, que confirmou o 4x4x2, resultaram alguns dados merecedores de especial atenção: o primeiro tem a ver com a crescente confiança de Schjelderup, que está no seu melhor momento de águia ao peito; o segundo, com a capacidade de Barrenechea para passes precisos de 30 e 40 metros, algo que ainda não tinha sido visto; o terceiro, a fome de bola de Prestianni, rápido e muito técnico, que pode ser, ao seu estilo, um espalha-brasas como Francisco Conceição ou Daniel Podence; o quarto, a forma imperial como Otamendi manda na equipa e se impõe a toda a gente dentro do campo; e o quinto o regresso de Arkturkoglu, em vésperas do duelo com o Fenerbahçe. São notas finais de uma eliminatória com alguma história mas sem dúvidas. A manta do Nice, d efacto, é demasiado curta para este Benfica.

 É na direita, no meio ou na esquerda? Na loja do senhor Fredrik Aursnes é só pedir o serviço que mais convém a cada momento. Os companheiros que o digam.

O melhor em campo — Aursnes (8)
Este homem parece um seguro de vida. Desde que chegou ao Benfica só lhe falta, praticamente, jogar a guarda-redes e raras foras as vezes em que se possa ter dito «este homem jogou mal». Jogar mal é conceito que parece não existir no dicionário pessoal deste norueguês de excelência. Está visto, até provas (ou movimentos de mercado) em contrário, que tem por conta dele a meia direita encarnada. Pois bem: Aursnes pinta a manta toda desse lado e ainda aparece ao meio, na meia esquerda e, se for preciso, na ponta esquerda (não precisa porque tem lá um compatriota amigo). A execução do primeiro golo é sublime, ao segundo toque, em plena pequena área francesa; o passe com açúcar para Schjelderup fazer o 2-0 é mais outro momento de ponto picado. Mas houve, acreditem, muito mais no futebol de Aursnes neste apuramento tranquilo.




6 Trubin — Aos três minutos teve excelente saída a um cruzamento perigoso vido da meia esquerda do ataque do Nice. Consta nos registros que ele voltou a tocar na bola, mas o fez apenas em circunstâncias atuais: receber atrasos de colegas com espaço para dominar, repor uma ou outra bola em jogo, segurar um ou outro cruzamento sem graça. E esteve lá sempre.
6 Dedic — Vai-se afirmando na direita da defesa encarnada, ainda que o trabalho defensivo não tenha sido por aí além. Envolveu-se bem no lance do 2-0, mostra estampa física e capacidade de percorrer o corredor. Claro que ter uma guarda de honra como Aursnes ajuda muito...
6 António Silva — Valha a verdade que não teve uma noite muito atarefada. Mas o Nice também jogou e tentou, e sempre que surgia pelos terrenos de António Silva a coisa parecia resolvida de cara. O epicentro da exibição foi o corte a chute de um atrevido que havia feito uma roleta sobre ele e Otamendi, aos 50 minutos. Ainda teve uma ou outra saída interessantes para o ataque.
6 Otamendi — Autoridade indiscutível nos terrenos recuados do Benfica. Tudo correu como ele havia estipulado, jogando-se simples quando necessário e ornamentando-se os lances quando possível. Fez o passe de ruptura que permitiu o primeiro gol ao Benfica e quase marcou um golaço em cruzamento-remate antes do intervalo.
6 Dahl — Não é Carreras, por mais que insistamos nas comparações. O cara só disse que quer marcar o Benfica como Carreras fez, e para isso com certeza tem potencial. Logo se verá se consegue e como. Não decide no 1×1 mas defende firme e ataca com certezas. Tem o lugar de lateral esquerdo no bolso, por enquanto.
5 Ríos — Os mais puristas perdoarão por certo o atrevimento, mas a forma como este colombiano se desloca em campo, sobretudo com a bola dominada e a cabeça levantada, faz lembrar um certo número 10 que ajudou a marcar a história do Benfica e por acaso até é hoje presidente. Calma! Não estávamos falando de renda, até porque você não foi especialmente famoso nesta terça-feira. Mas há formas de jogar que fazem desconfiar que «lá tem craque».
5 Barrenechea — O modo como recebe a bola e procura solução imediata, seja individual ou de passe, não engana quanto à qualidade. É preciso ver se uma dupla formada por ele e Ríos será suficiente para jogos de maior intensidade e pressão a meio-campo, mas os sinais positivos estão lá.




7 Schjelderup — Ele estava na esquerda e o compatriota na direita. Brincaram de forma sublime de uma espécie de toma-lá-dá-cá e fizeram os dois gols da tranquila vitória rubro-negra. Primeiro com Schjelederup e servir Aursnes, depois o inverso. Fora a participação nos lances decisivos, o jovem norueguês mostrou fibra, presença e muita vontade de fazer parte das contas de Lage para 25/26.




5 Ivanovic — Depois de ser herói na França, passou ao lado de uma possível bela estreia em casa. Mas tem tempo, e você vê que também tem qualidade. Simplesmente a coisa, de modo geral, não saiu como ele queria, como aquele chute nas mãos do goleiro em uma situação de 3×2 aos 45 minutos.
6 Pavlidis — Ele está cheio de confiança e preparado para ser o dínamo do ataque rubro-negro. Joga bem de costas para o gol, procura e inventa espaços que ninguém tinha visto antes e procura finalizar a preceito, algo que ontem não lhe sucedeu mas vai seguramente suceder no futuro.
6 Prestianni — Toque de classe sul-americano numa noite paradoxalmente nórdica, tamanho o calor que fazia em Lisboa. Rápido, raçudo na reconquista da bola, com olhos para a área adversária. Vai dar dor de cabeça para Lage. Ou muitas alegrias...
5 Florentino — Não tirou nem acrescentou à monotonia que representou, neste jogo, estar no meio-campo do Benfica. O que ele teve que fazer, ele fez com competência.
5 Leandro Barreiro — Interessante o posicionamento quase como segundo ponta de lança. Situação a rever.
— Henrique Araújo — Ele deu azar, porque quando estava pronto para entrar a bola demorou muito para sair. Você terá melhores oportunidades de mostrar seu valor novamente.
— Akturkoglu — Foi a despedida da Luz? Pelo menos contra o Benfica não joga mais, mesmo que amanhã assine pelo Fenerbahçe.

José Manuel Delgado, in a Bola

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