UM TEXTO SUBLIME

Águias nas alturas

Foi mesmo necessário deixá-los marcar aquele golo, só para lhes dar a mais cruel das esperanças? Acho que não. Acho que é malvadez brincar assim com os sentimentos de um adversário, mesmo tratando-se do Sporting.

Pela minha saúde vi hoje à tarde duas águias a pairar majestosamente sobre a minha cabeça, cada vez mais altas, a cruzarem-se, a deixarem-se ver. Foi o augúrio dos dois golos do Benfica
O Benfica passa agora do sistema binário para o decimal. Estava a 2 pontos do Sporting. Agora está a 5. Dantes era uma moeda de 2 euros.

Jorge Jesus queixa-se de dois penáltis
Jorge Jesus queixa-se de dois penáltis
Hoje é uma nota de 5 euros.
Conseguiu estes 5 pontos com 2 golinhos apenas: um golo por cada ponto de diferença entre o Benfica e o Sporting antes do derby de domingo.
O Sporting joga muito bem e empenha-se muito mas ainda não percebeu que para ganhar pontos é preciso marcar golos. Não interessa como.

Pode ser injusto. Mas é esse o sistema do futebol. O Benfica bem se esforçou, como anfitrião generoso, para dar oportunidades ao Sporting.
Mas o Sporting corria, corria, chutava, chutava, agitava-se, agitava-se e tudo fazia menos marcar um golo. Esteve a perder por 2-0 durante uma eternidade. Mas só marcou um golo. Mas um golo não chega.

É verdade, sim, que o Benfica apenas marcou mais um golo do que o Sporting. Mas esse golo… ó, é inútil explicar.

Antigamente, antes do Sporting vir à Luz dar-nos a vitória de que precisávamos, o Benfica estava em primeiro lugar mas apenas com 2 pontos de diferença. Não vou fingir: estávamos no topo mas não era uma situação inteiramente confortável. Bastaria que o Sporting nos ganhasse para que passássamos logo para segundo lugar. E o Benfica não se sente bem em segundo lugar. Não é um lugar que nos seja natural.
Com 2 pontos de diferença os mais nervosos dentre nós não estávamos sossegados. Agora sossegámos. Graças ao Sporting.
Por outro lado deve-se ser magnânime nas vitórias e o Benfica, como o clube mais frequentemente vitorioso de Portugal, deve examinar-se criticamente. Pergunto, por exemplo, se o Benfica não estará a tornar-se um pouco sádico na maneira como joga com as outras equipas.
Foi mesmo necessário fazer sofrer tanto os sportinguistas? Foi mesmo necessário deixá-los marcar aquele golo, só para lhes dar a mais cruel das esperanças?

Acho que não. Acho que é malvadez brincar assim com os sentimentos de um adversário, mesmo tratando-se do Sporting.

É estranho quantas vezes coincidem as tristezas do Sporting e as alegrias do Benfica. Ou será? Talvez não seja.

MIguel Esteves Cardoso in Público