terça-feira, 23 de maio de 2017

O BALANÇO DA BALANÇA


"Acho que esta época o ruído atingiu decibéis a mais. Foi muito mais feio do que o habitual.

E, tal como começou, terminou. Chegámos ao fim de mais uma época. Mais um recheada de estórias e histórias. De momentos altos e baixos. De memórias inesquecíveis e de outras para esquecer. Cada um terá a sua visão sobre este último campeonato, como é óbvio. Tal como eu tenho a minha. Como é óbvio.
O que vos posso dizer? Acho sinceramente que, desta vez, o ruído atingiu decibéis a mais. Foi muito mais feio do que o habitual. Ora estratégico e planeado, ora espontâneo e impulsivo, mas sempre audível. A consequência? Apenas uma: perdeu o futebol. Quando a polémica fora do campo vence a qualidade técnica dos jogadores, quando a guerrilha verbal ganha, em audiências, ao talento individual dos craques, quando as acusações e insinuações ensombram o brilho dos actores de verdade, o futebol perde sempre.
Perde porque as emoções negativas são uma espécie de vírus da gripo. Contagiam com facilidade. E arrastam para essa febre novos e velhos, miúdos e graúdos, iletrados e doutorados. Na mansão ou na barraca, na metrópole ou na aldeia. Não há escapatória possível.
Culpados? Se calhar, somos todos. Culpados são os que nunca pisaram um relvado, nunca sentiram na pele as vivências do jogo jogado, nunca calçaram umas botas de futebol e pensam saber mais de bola do que profissionais com décadas de experiência. Culpados são os funcionários agora promovidos a protagonistas que não olham a meios para atingir os seus fins. Ainda que o caminho que percorram faça tábua rasa do código deontológico a que eticamente estão sujeitos. Culpados são os que lhes dão voz. Os que chamam jornalismo ao incêndio e notícia aos pirómanos. E são também as redes sociais, os blogs e os sites que lhes abrem espaço a uma criatividade sem limites. Culpados são alguns dos intervenientes directos no jogo. Que nem sempre são tão profissionais quanto podiam nem tão competentes como deviam. Culpados são alguns dos avençados que fazem do seu tempo de antena nacional um espectáculo execrável, convencidos que têm graça quando há muito caíram em desgraça. Culpados são os que, durante parte da época, não fizeram nada quando se esperava que fizessem muito. Culpados são aqueles que aceitaram, a qualquer preço, serem reis num país onde não é a monarquia quem dia as regras.
Bem, mas certo, certo é que as coisas entretanto mudaram. As estruturas que gerem o futebol - indiscutivelmente competentes - estão agora mais do que nunca empenhadas em combater a violência, em melhorar a arbitragem, em valorizar o espectáculo e em torná-lo num lugar mais seguro. Estão a caminho fortes medidas disciplinares, maior transparência na arbitragem, reforço inevitável do policiamento e a corajosa entrada em cena do Videoárbitro. O poder político parece também ter percebido, finalmente, que a expressão «apelo ao fair play» é bem inócua do que a velhinha «errar é humano». E deve vir dali um aperto penal a quem não souber estar no futebol. Nem tudo foi mau. Mas caramba... somos tão mais do que isto."

Duarte Gomes, in a bola

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