"'Hapoel', em hebraico, está ligado à palavra trabalhador e ao Histadrut que representa uma poderosa organização sindical de esquerda.
1. No defeso que nos oferece abundantemente notícias reais, alegadas e falsas, o labirinto da crise leonina e o pré-Mundial da Rússia, também gosto de estar no meu próprio defeso. Assim sendo, continuo na rota das curiosidades à volta do futebol até para me tentar convencer do seu lado bom.
Hoje dedico-me à onomástica clubista. Assunto que, há anos, já abordei numa antiga coluna neste jornal.
As denominações completas dos clubes têm semelhanças com os nomes das pessoas. Têm nome próprio, apelido, alcunha, e até acrónimo, sigla e, não raro, uma aproximação e pseudónimo (ou até heterónimo), ou como agora sói dizer-se marca. No caso dos clubes, em vez da filiação de sangue, surge a filiação de lugar ou toponímia. Há ainda os símbolos e mascotes, mas isso fica para outra altura. Por exemplo, no caso do meu clube, Benfica é o nome próprio, Sport o apelido, Lisboa a toponímia, encarnados o pseudónimo, águiaso heterónimo, lampiões uma alcunha e esseelebê a sigla.
Em regra, a própria palavra clube faz parte da denominação do clube. É como se nós tivéssemos todos o apelido 'pessoa'. E, além dela, futebol está generalizado no nome, ainda que o clube tenha mais desportos.
Sendo a Inglaterra o berço do futebol, foi natural a sua influência. Neste ponto um clube se distingue dos demais: o Clube Futebol Os Belenenses(curiosamente mais conhecido por O Belenenses, numa errada conjugação do artigo definido singular e do substantivo plural!). É que os outros optaram pelo anglicismo de escrever 'Futebol Clube' e não à portuguesa, Clube de Futebol.
Depois temos Sport, desde logo no SLB e em muitos outros clubes. Assim, como o apelido Sporting, que, todavia, no SCP passou a nome próprio, tido André André. Já os Sporting de Braga, Faro, Espinho, Covilhã, Tomar, Cuba e outros dão mais pelo nome da cidade. Há ainda clubes que são Sporting e que muita gente desconhece: Portimonense Sporting Clube e Sporting Clube Olhanense.
Há também a designação Grupo ou Clube Desportivo (Feirense, Chaves, Aves, Cova da Piedade) e Associação (Académica).
Outro apelido também frequente é o de União (do britânico United), umas vezes tratado no feminino como a União de Leiria, outras no masculino como o União de Lamas (ou da Madeira, que curiosamente não tem o nome da ilha) ou ainda o caso que, embora referido no feminino, raramente é chamada de União (a Oliveirense).
Um outro muito conhecido sobrenome, às vezes alcandorado a nome próprio, é o Atlético. Cá, entre outros, o Atlético Clube de Portugal, o Casa Pia Atlético Clube, o do Cacém, Malveira, Marinhense, Riachense, Valdevez. No estrangeiro, há o de Madrid e o de Bilbau (este na variante basca de Athletic), o Ossasuna, o Atlético Mineiro e o Paranaense no Brasil, ou apenas incluído na designação completa do River Plate, Boca Juniors, Vélez Sarsfield na Argentina, do Peñarol no Uruguai, do Petro Luanda ou de Panathinaikos, na Grécia.
Mais apelidos comuns: Desportivo (das Aves ou de Chaves) cá e e o Deportivo(da Corunha) na Galiza, a Académica (de Coimbra ou de Espinho) e Académico, o Estrela (Amadora, Figeuirense), o Eléctrico (de Ponte de Sor), o Recreio (de Águeda), e os bem portugueses Lusitano (Évora e V. Real de S. António) e Lusitânia (Lourosa e Açores), Primeiro de Maio (Naval e Sarilhense).
Portugal
Portugal é pouco comum na denominação. Destaca-se o SCP que, segundo o seu presidente, é o único clube dos grandes que é de Portugal. Logo me lembrei do Atlético Clube de Portugal. Eu, pela minha parte, sinto-me às mil maravilhas na cidade e no bairro...
Há ainda o Clube Desportivo e Recreativo Portugal (da Moita), o Clube Desportivo Portugal (do Porto), o Clube Ferroviário de Portugal (de Marvila, Lisboa). E um clube da 3.ª divisão espanhola chamado Portugalete, nome de um município no País Basco.
Quase todos os clubes principais têm, no seu código onomástico, o nome da cidade ou, pelo menos, da sua zona ou bairro. Curioso é o caso do Benfica que tem inscrito o nome da sua cidade natal (Lisboa) e um dos seus bairros (Benfica) embora tenha dado à luz em Belém. Na 1.ª e 2.ª divisões só os dois Vitórias, o Gil Vicente, o Nacional e o União (madeirenses) e o Real (de Massamá) não referem o seu berço. E há 'O Elvas' que dá pelo nome da cidade precedida pelo artigo masculino.
Interessante é a saga dos Vitória, de nome próprio. O de Setúbal, que não tem a cidade na denominação, é Vitória Futebol Clube. O de Guimarães, tal e qual o de Setúbal, com uma mudnaça subtil no apelido: Vitória Sport Clube. São dois dos casos em que clubes são chamados quase sempre por um nome de raiz toponímica que, porém, não têm na denominação. Tal qual a minha avó materna que era Leonor e que toda a gente tratava por Rosinha. Mas há mais Vitórias com menos vitórias: o de Sernache (embora de Cernache), o de Lisboa, o do Pico, o dos Olivais, o de Santarém, o Mindense, etc. Na Europa Central há Viktoria e Viktorie para todos os gostos.
Também não faltam os clubes ligados ao mar: o Beira-Mar de Aveiro, o de Monte Gordo e o de Almada, o Marítimo, o S, Félix da Marinha, o Mira-Mar, o Marinhense e o Marinhais. Ou, por via dos descobrimentos, o Vasco da Gama de Sines. Por fim, o Estoril-Praia que, fora da época balnear, deixa cair o Praia para ser tão-só Estoril.
Na Madeira, há uma certa barafunda geográfica. É que dos 3 principais clubes, o que tem a palavra Madeira no seu nome oficial não é como tal reportado. E os outros que não têm referência geográfico acoplaram o nome da região. Assim, o Marítimo da Madeira é mais conhecido por Marítimo do Funchal. O Clube Desportivo Nacional toma o nome comum de Nacional da Madeira e o Clube Futebol União é, para todos os efeitos, o União da Madeira!
2. Passando para outros países europeus há também 'genéricos' clubistas. No Reino Unido com todos os United em competição com todos os City. Ou, ainda, os Rangers de Glasgow e os Quem Park Rangers. Em Espanha há também um Sporting (de Gijon), um Racing (de Santander) os Atléticos de que já falei, e, claro está, a profusão do monárquico Real para todos os gostos (Madrid, Saragoça, Sociedade, Bétis, Valladolid, Oviedo, etc.) e Reial Espanyol em versão catalã. E ainda os geminados Celta de Vigo (também Real) e Celtic de Glasgow. Por falar em Real, por cá temos o Real Sport Club (de Massamá), o Real Clube Brasfemes (AF Coimbra) e o Real Clube Nogueirense (AF Aveiro). Em França, além dos Olympique como o de Lyon, Nice e Marselha (à semelhança dos vários Olympiakos gregos), há também um Sporting e um Atlético na Córsega (Sporting Clube de Bastia e Athletic Clube Ajaccio). O camponíssimo Real Madrid é assim para os monárquicos e só Madrid para os republicanos.
Na Alemanha temos alguns Fortuna (o mais conhecido é o de Dusseldorf), alguns Bayern que quer dizer Baviera (de Munique e não só) e Borussia (nome em latim de Prússia) de Dortmund ou M'Gladbach. E há o equivalente ao União que é o Eintracht (de Frankfurt).
Em Itália o futebol é transgénero. Clubes que começando por Asociazione, Unione ou Società são tratados no feminino. Por exemplo a Roma, a Lazio, a Fiorentina, a Sampdoria, a Udinese. Mas, à italiana, nem sempre é assim: a Juventus Football Club é feminina talvez por ser a 'Vechia Signora', o Nápoles é masculino embora se chame Società Sportiva Calcio Napoli, e o Milan deveria ser feminino pois tem como nome completo Associazione Calcio Milan.
Na Europa de Leste (ex-URSS e seus satélites) subsistem os gloriosos, bélicos e propagandísticos 'genéricos' de regime: CSKA (Clube do Exército) de Moscovo ou de Sófia, Lokomotiv, Torpedo, Spartak, Sparta, Dínamo (Dínamo de Kiev, de Tbilissi, Zagreb e até de Dresden na antiga RDA), Zenit, Estrela (Vermelha de Belgrado ou Steaua de Bucareste), Partizan.
Acrescem os relacionados com a origem eslava como Slavia, Slovan, assim como Levski, Dukla e Shaktar (nome de um antigo sindicato da URSS). A Polónia - não por acaso - resistiu a esta avalanche de nomes (apesar de ter o Legia, que quer dizer legião), bem como a Hungria pela raiz não eslava do seu idioma, mas onde há Vasas para todos os gostos.
Por fim, regista-se a circunstância de quase todos os clubes israelitas serem Hapoel (de Haifa, Jerusalém, Telavive, etc., ao todo 39!), Maccabi (Nazaré, Haifa, Natanya, Tel Aviv, 15 no total) ou Beitar (Jerusalém e mais 10).
Trata-se de uma divisão algo política e ideológica que, de vez em quando, dá problemas. Hapoel, em hebraico, está ligado à palavra trabalhador e ao Histadrut que representa uma poderosa organização sindical de esquerda. Maccabi, (conotada com o centro político) advém de um exército rebelde judeu, os Macabeus, e simboliza a resistência. Beitar, conotado com a direita, resulta de uma expressão ligada a movimentos sionistas juvenis. Soube-se há pouco tempo que o de Jerusalém se vai chamar Beitar Trump Jerusalém por agradecimento à mudança da embaixada americana para aquela cidade!
Já o APOEL cipriota é o acrónimo de Athletikos Podosferikos Omilos Ellion Lefkosias, que quer dizer Clube de Futebol Atlético dos Gregos de Nicósia."
Bagão Félix, in A Bola
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