"Vamos todos ser adeptos do Rio Ave por uns minutos. E vamos imaginar o que teríamos de passar para estar com o clube do nosso coração no Estádio da Luz, dia 14 de Janeiro, terça-feira, às 21h15.
Primeiro obstáculo: sair a tempo do emprego, na zona de Vila do Conde, para estar em Lisboa antes das 21 horas. Difícil, não é? Pode ser que o patrão seja um tipo porreiro.
Segundo obstáculo: como o jogo acabará já depois das 23 horas – rezemos para que não haja prolongamento -, é possível estar de volta a casa lá pelas três da manhã. Mas temos de carregar no acelerador e exceder todos os limites de velocidade. Não queremos isso, pois não?
Terceiro obstáculo: ter forças e energia para acordar lá para as oito e partir para mais uma jornada no trabalho. Dureza.
Caros leitores, é mais ou menos isto que a FPF e a RTP calendarizaram para as gentes de Vila do Conde no jogo dos quartos-de-final da prova rainha nacional. Rainha? Rainha da Sucata [telenovela da Globo, 1990], olhando ao modo como está a ser tratada.
Garantem-me que a responsabilidade aqui é do canal público de televisão, que se mostrou indisponível para antecipar o Telejornal, ao contrário do que tantas vezes já fez no passado. Quando transmitia os jogos da Liga dos Campeões até à época passada, por exemplo.
Mas há mais. Os adeptos do Varzim [e do FC Porto, já agora] têm um jogo no Dragão às 18 horas. De uma terça-feira! Um jogo naturalmente histórico para os poveiros, que não têm o seu amado emblema nas meias-finais da Taça de Portugal desde 1985. 35 anos à espera de um jogo que, muito provavelmente, não conseguirão ver no estádio.
E as gentes de Canelas? Fazer 130 quilómetros [260 no total] numa quinta-feira à noite, para poder estar em Viseu e regressar a horas razoavelmente decentes. E estamos a falar de um clube do Campeonato de Portugal, que ainda por cima tem vários futebolistas amadores. Isto é tratar bem o futebol português?
Isto é respeitar os clubes e os adeptos? Não teria sido de bom tom colocar os quatro jogos relativos a esta fase já adiantada da nobre Taça de Portugal a um fim-de-semana?
Eu cresci a amar os jogos da prova rainha. A ver o FC Porto num pelado em Moura, o Benfica num campo de terra no Cartaxo, o Sporting a fazer parar a ilha de Porto Santo, sempre em domingos à tarde.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se os critérios e as condições das transmissões televisivas, mas há uma condição que continua estanque, absolutamente inabalável: só há futebol profissional se os consumidores (adeptos) confiarem no produto. Os sintomas não são nada bons.
PS: a continuidade de Fernando Gomes na FPF é uma notícia excelente. O trabalho do dirigente, e da sua equipa, tem sido notável em quase todos os departamentos. Diria mesmo que, nalguns casos, inacreditavelmente bom. Mas há um desafio grande para o próximo mandato: a calendarização e os quadros competitivos. Mesmo nos dossiers em que não possa intervir directamente, a federação pode e deve influenciar, apelar à sensatez e ao equilíbrio. Outro exemplo: é incompreensível que do Campeonato Portugal só continuem a subir dois dos 72 participantes. No mínimo, cada vencedor da sua série tem de ser premiado com a ascensão à II Liga. É difícil impor isto?"
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