domingo, 12 de janeiro de 2020

"BLUFF", UMA IDEIA


"Talvez seja por estas aragens de fim do Mundo, que nos trazem presidentes e líderes religiosos sentados em mísseis ao som da Cavalgada das Valquírias, que penso na importância do bluff nas coisas: «Se querem destruir-nos à bomba, lembrem-se de que temos bombas que podem destruir-vos ainda mais!», parecem avisar. Recordam-me um desenho que vi, esqueci-me onde, no qual estavam dois homens mergulhados até à cintura numa piscina de gasolina, um deles ostentando uma caixa de fósforos e o outro, do mesmo modo poderoso, erguendo um fósforo apenas. É a chamada paz nuclear, assegurada pela certeza de destruição mútua.
bluff está tanto na iminência de mundos exterminados como no desporto, sobriamente implícito naquele vago encorajamento que nos impede de mostrar medo ao adversário, mesmo que o tenhamos, ou que nos proíbe de confessar cansaço, ainda que o sintamos.
Ademais, também se usa como estratégia de ataque. No boxe, simulando um jab de direita para sair um directo de esquerda. No póquer, claro, o bom jogador tem de fazer bluff de vez em quando, caso contrário torna-se-á no jogador mais previsível da mesa, ou toda a gente saberá que se vai a jogo é porque te boa mão, será um jogador pior ainda do que aquele cão de anedota que ao ver boas cartas não resiste e abana a cauda.
bluff está em tudo. Também dos negócios, da minuciosidade das negociações entre clubes e atletas (pagar o mínimo de modo a que o jogador aceite; e do outro lado, exigir o máximo desde que o clube não se desinteresse) às variações misteriosas dos mercados de valores.
É, o bluff, um jogo nele próprio, porventura o maior de todos, e quem o domina, ganha. É o mérito principal, portanto sugere cartas que até podem estar na mão de quem enganamos, convence de vantagens que na verdade pode ser o outro a ter. Eu, por exemplo, neste texto a fingir que sei do que escrevo."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

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