quarta-feira, 2 de março de 2022

CONTAS FEITAS

 


"A SAD do Benfica divulgou, esta terça-feira, o Relatório e Contas relativo ao primeiro semestre da temporada. O resultado líquido negativo de €31,7 milhões apresentado, justificado com a diminuição de €69,4 milhões nas transações dos direitos de atletas, no período homólogo, tem dado azo a muita conversa e alguma inquietação nas hostes benfiquistas.

Com a chegada da Covid-19, os portugueses - em geral - tornaram-se especialistas em epidemiologia e saúde pública. Na contenda Rússia-Ucrânia, rapidamente se especializaram em geopolítica e táticas de guerra. Agora, após a divulgação das contas da Benfica SAD no primeiro semestre, são todos gestores financeiros. É sempre assim. Que não haja dúvidas de que somos realmente um povo muito versado...
Todavia, é importante ser minimamente sério nas análises que se fazem. Neste caso em concreto, que é o que nos importa, é preciso ver onde é que está a sair dinheiro, onde é que está a entrar, e - o mais importante - onde é que saiu e que só agora é que é contabilizado. No geral, isto é um daqueles casos onde a montanha pariu um rato. Não quer no entanto dizer que não haja aqui uma situação em particular que mereça a nossa atenção. Passemos a explicar.
Começamos com um exemplo. Nós temos uma empresa. Compramos um prédio de escritórios por 10 milhões. Nos gastos da empresa não vão aparecer 10 milhões gastos num prédio de escritórios, vão aparecer os gastos normais: salários, papel, eletricidade, entre outros. Nem o estado quer isso, porque significa que não teríamos de pagar impostos sobre os nossos rendimentos. Os 10 milhões entram no ativo e em cada ano vão depreciando/amortizando. E é essa depreciação que entra efetivamente nos gastos. Uns 500 mil euros por ano, durante 20 anos, até perfazer os tais 10 milhões. Isto permite distribuir o investimento ao longo do tempo do ponto de vista contabilístico e, assim, normalizar os impostos sobre o rendimento.
Com um jogador de futebol é praticamente a mesma coisa. Se contratamos um jogador por 20 milhões e lhe damos um contrato de 5 anos, ele não entra nos gastos no imediato, vai entrando com o passar do tempo nas depreciações. Neste exemplo dos 20 milhões - 5 anos, vai entrar 4 milhões por ano só deste jogador (20/5=4).
O que é que o SL Benfica fez nos últimos dois anos? Gastou, em cada ano, cerca de 100 milhões de euros em reforços. Qual é a rubrica responsável pela maior parte destes 31,7 milhões de prejuízo? As amortizações de direitos de atletas. 23,9 milhões. Isto na realidade é algum custo? Não. Isto foi um investimento que vai amortizando anualmente.
Ou seja, aqueles 200 milhões de euros gastos nos verões de 2019 e 2020 estão agora a entrar nas amortizações. E vão continuar a entrar enquanto os jogadores permanecerem no Benfica. Isso, naturalmente, está a influenciar o apuramento dos resultados. O que na verdade até é bom para o Benfica, porque pode pagar um pouco menos de impostos.
Então, perguntam vocês, está tudo bem?
Mal não está, seguramente.
Mas podía estar melhor?
Podía.
O Benfica gastou 59 milhões em gastos com pessoal. A fatura no segundo semestre irá, garantidamente, ser menor. Por exemplo, Pizzi e Gedson saíram. Dois jogadores que tinham algum peso na massa salarial. Mas, ainda assim, é muita coisa, particularmente para aquilo que a equipa tem conseguido apresentar em campo. E pior é o aumento de 10 milhões em relação ao ano passado, sendo que, na verdade, à volta de 4,5 milhões são remunerações variáveis que terão vindo – acreditamos nós - do apuramento para a Liga dos Campeões. Estes 59 milhões - que são referentes a apenas metade da época e, como tal, na segunda metade serão à volta de 113-116 milhões (já descontando Pizzi e Gedson) - não são sustentáveis para o Clube.
Este desequilíbrio entre aquilo que a equipa produz - através de direitos de televisão, patrocinadores, bilhética, entre outros - e aquilo que a equipa gasta, é um buraco que depois tem de ser tapado através das poupanças passadas, da alienação de passes de jogadores ou de empréstimos obrigacionistas.
No apuramento do resultado no final da época teremos que contabilizar duas vezes as amortizações. Ou seja, já não vão ser 23,9 milhões, mas sim 47,8 milhões - que já saíram nos verões de 2019 e 2020, mas vão contar para o sensacionalismo das manchetes dos jornais. No entanto, mais grave do que isso irá ser o resultado operacional sem direitos de atletas, que neste primeiro semestre foi um prejuízo de 1,7 milhões e que no segundo semestre poderemos estar a falar de algo na ordem dos 30/40 milhões. E esses vão mesmo sair. Esses 30/40 milhões, mais 47,8 milhões das amortizações (que não contam para quem analisa o R&C, mas contam para quem lê apenas as manchetes), mais cerca de 10 milhões de euros em juros. O SL Benfica, neste momento, está a caminho de ter um prejuízo anual na casa dos 100 milhões. Em boa verdade, metade não é prejuízo real, mas vai contar para as manchetes dos jornais...
Concluindo.
É uma herança pesada em termos de custos que precisa de tempo para ser reduzida. Ainda há muito a fazer, mas a trajetória já começou: no pouco tempo de Rui Costa já conseguimos “despachar” - entre empréstimos, rescisões e vendas - 32 jogadores.
A Benfica SAD tem ativos para aguentar a massa salarial nesta ordem durante mais alguns anos, mas não é sustentável."

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