"- Mota, Manel, este mano não está bem da mona, chamou-me mono! Mano, ele chamou-me mono!”
Diz que foi mais ou menos assim, respeitosa, esclarecida e educadamente, que Kepler Ferreira, “el Pepe”, se dirigiu ao árbitro açougueiro de Vila Verde, no relvado do draconiano monopólio das boas maneiras e do civismo desportivo onde o Macaco é líder.
Foi através de um jornalista brasileiro que é uma das referências do monótono comentário futebolístico da atualidade, de apelido Andrade, que tomei conhecimento desta tentativa de “monocaute”, num daqueles golpes baixos encenados em que a luta livre parece tão real e verdadeira como os trambolhões de Taremi se assemelham por vezes a penaltis.
O racismo é um problema muito grave e justifica toda a atenção e repressão, mas procuremos entender este caso: Pepe nasceu no Brasil, Colombatto na Argentina, ambos são imigrantes em Portugal, mas ambos são monocromáticos, indistintos, descendentes de emigrantes latinos, o que confunde e dilui o alegado desentendimento rácico.
Todavia, também não se pode considerar um caso de xenofobia porque o estrangeiro é o alegado agressor e o português a vítima.
“Mono” - queixa-se Pepe que viveu anos em Espanha - quer dizer macaco e é ofensivo. Mas é também uma alcunha comum na Argentina, distintiva de figuras pitorescas como o antigo guarda-redes Burgos, “el Mono” Burgos, ex-escudeiro de Diego Simeone.
Mas, sim, deve ser considerado insultuoso chamar “mono” a quem se recusa ser descartável e ainda se movimenta tão forte e ágil como Pepe, resistindo, aos 40 anos, a ser recolhido pelo carro-vassoura dos que perdem a energia e a iniciativa. Etimologicamente, “mono”, do grego “mónos”, é um prefixo de composição que transmite a ideia de um, único, unidade, unitário - como “monóculo”, o que vê só com um olho, como Manuel Mota, a quem o treinador do Porto chamou de “artista”, um refinado palavrão para protestar contra as macaquices da arbitragem. Como Pepe, um futebolista único, diferenciado, monolítico.
Mas em castelhano, “mono” também pode ser um apelido carinhoso ou irónico, um bordão útil para alocuções pessoais como “oye, mono, de que vas hablándome así?” ("ouve, pá, por que me falas nesse tom?”) - que teria sido uma opção tranquila e bem-humorada para Pepe em vez do curto-circuito monofásico e incendiário que o acometeu.
O racismo é uma praga que tem de ser erradicada da sociedade com a mesma firmeza que limpe de uma vez o futebol e o desporto de todo o tipo de macacadas e faltas de respeito.
Mas portugueses que tratam outros portugueses como “mouros” não podem admitir que alguém lhes chame “mono” - o que tem menos a ver com a tez da pele ou com antropofobia do que com a ironia da situação?
Colombatto não enfrentaria qualquer problema disciplinar se, em vez do insultuoso “mono”, tivesse dirigido a Pepe apenas um assertivo e elogioso “filho da puta”, “cabrão” ou “palhaço”, como soa adequado ao calor da luta entre manos boludos, cumprimentos e reverências entre machos alpha que se dizem no campo e ficam no campo.
Portanto, tivesse Colombatto sido monocórdico e o seu futuro, perante a iminente condenação pelo monoteísmo “woke”, apresentar-se-ia bem menos negro."
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