A saída, em breve, de Soares de Oliveira não deverá provocar qualquer revolução
Na linguagem do jogo, a transição é uma espécie de designação moderna para o contra-ataque ou contra-defesa. A equipa transita sempre que recupera ou perde a bola; umas vezes transita para a frente, quando ganha a bola, outras para trás, quando a perde e precisa, com maior ou menor capacidade de pressionar, de se posicionar para impedir que o adversário transite bem para o ataque.
Noutro tipo de organizações (o futebol é também um jogo de organização, sempre com algum caos, mas o mais organizado que a circunstância do jogo permitir), a transição diz respeito a mudanças. Transita-se sempre que algo muda.
No caso da administração da SAD do Benfica, a transição mais evidente diz respeito à prevista saída em breve de Domingos Soares de Oliveira do lugar de topo da organização (divide ainda, recordo, como Co-CEO, a liderança da SAD com o presidente Rui Costa), ao cabo de 19 anos e alguns meses de chefia da organização profissional dos encarnados, e a substituição desse modelo por um outro, que entrega as pastas de gestão e finanças ao vice-presidente do clube e administrador da SAD, Luís Mendes, e deixa a Rui Costa os lugares únicos de presidente do clube e CEO da SAD.
São raras, em qualquer que seja a organização, as transições pacíficas. Mas não é difícil perceber a vontade clara de Rui Costa: por respeito à instituição, e também por respeito às pessoas, a transição na administração da SAD das águias será muito mais pacífica do que alguns poderiam esperar fora, mas também dentro, do universo Benfica.
O exercício financeiro que terminará agora com a apresentação formal, ainda este mês, presume-se, das contas da SAD, será o último sob responsabilidade também de Domingos Soares de Oliveira, incontornavelmente uma das figuras mais marcantes, e importantes, da história da SAD benfiquista.
Luís Mendes, a partir do próximo exercício o responsável pelas pastas de gestão e finanças (áreas nas quais substitui, na verdade, Domingos Soares de Oliveira) não deverá assumir-se, porém, como CEO da SAD. É conhecida, aliás, a posição de Luís Mendes sobre o organigrama: logo nos primeiros tempos como vice-presidente do clube (eleito como número 2 de Rui Costa nas eleições de outubro de 2021) Luís Mendes assumiu discordar da figura de dois CEOs na administração benfiquista.
Por isso mesmo, espera-se agora que Mendes assuma todas as pastas ligadas à gestão e finanças, mantendo, porém, o lugar como administrador, deixando ao presidente Rui Costa o singular posto de CEO da equipa da sociedade.
O respeito que Domingos Soares de Oliveira merecerá a Rui Costa (e à restante equipa dirigente) justificará, pois, uma passagem de testemunho sem qualquer turbulência. Respeita-se a figura, respeita-se o passado, respeita-se, assim, igualmente, a instituição, e pelas informações que vai sendo possível recolher, ninguém espere, arrisco, qualquer tipo de revolução na organização encarnada.
A eventual mudança na visão, no modelo ou na operação não significa que se altere o essencial da estratégia empresarial e desportiva do Benfica, que continuará a ser definida, aliás, como hoje, pelo núcleo duro (comissão executiva) onde tem ainda assento Lourenço Pereira Coelho, o administrador responsável pelo futebol profissional.
Não se trata, pois, de uma substituição por alguém vindo, agora, de fora. A responsabilidade executiva que Domingos Soares de Oliveira assumiu nos últimos 19 anos é transferida para um homem (Luís Mendes) que já está dentro da organização desde outubro de 2021 (quase há dois anos), que tem o lugar de vice-presidente do clube e de administrador da SAD, que vem trabalhando, em vários domínios, mesmo com o ainda Co-CEO Soares de Oliveira, e que não podia ter relação mais próxima do que a que tem com o presidente Rui Costa - são amigos pessoais de longa data e partilham a mesma paixão pelo Benfica.
Agora que a SAD do Benfica apresentará, pela primeira vez sob o comando de Rui Costa, um exercício financeiro com resultado positivo, a transição na SAD será tanto mais pacífica quanto positiva é a realidade económico-financeira da organização, cujos capitais próprios positivos (113 milhões de euros, realidade única em Portugal, e certamente ímpar mesmo a nível europeu) se aproximam cada vez mais do capital social da própria SAD (de 115 milhões de euros). Dado muitíssimo relevante, pois, o da transição na liderança da gestão encarnada se ver promovida sem qualquer instabilidade financeira ou patrimonial – o Benfica tem devidamente pago o estádio ou a academia do Seixal e isso deixará, certamente, a Luís Mendes um cenário incomparavelmente mais tranquilo para prosseguir com o trabalho e a estratégia definida por Rui Costa de privilegiar a vertente desportiva sem nunca pôr seriamente em risco a estabilidade financeira.
Com Rui Costa na liderança, o Benfica chegou duas vezes aos quartos de final da Champions (bateu, aliás, na última época, todos os recordes de receitas na competição) conquistou dois títulos (campeão da Liga e Supertaça) e fez três enormes transferências de jogadores – Darwin Núñez para o Liverpool, por 75+25 milhões de euros, Enzo Fernández para o Chelsea, por 121 milhões, e Gonçalo Ramos para o PSG, por 65+15 milhões.
O Benfica, parece-me indiscutível, reconstruiu-se e criou estrutura empresarial importante nos últimos 20 anos, consolidando a marca como a mais impactante (como instituição de maior grandeza) na indústria do desporto em Portugal e, agora, ainda com maior peso no mercado internacional, à medida que foi desenvolvendo parcerias com patrocinadores estrangeiros e marcando posição, como voltou a saber-se, como campeão mundial no balanço entre vendas e contratações de jogadores nos últimos dez anos.
É esta organização deixada pelo cunho (também) de Domingos Soares de Oliveira que Luís Mendes passará, em breve, a ter responsabilidade de liderar em matéria de gestão e finanças, pelos vistos sem revoluções, mas também, ao que parece visto de fora, sem razão para grandes dores de cabeça. Pode o barco ser, como é, gigantesco. Mas enquanto presidente, Rui Costa tem, no mínimo, enorme vantagem, além da profunda paixão pelo clube: conhece a essência do Benfica como poucos e sabe o que é jogar em equipa.
Tem obrigação disso!"
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