"Isaac Newell foi o mais argentino dos ingleses. Abriu um colégio em Rosário e comprou uma bola.
Isaac Newell nasceu no dia 24 de abril de 1853, Em Strood, condado de Kent. E, no entanto, é argentino como poucos. Podia ouvir, não se desse o caso sempre incomodativo de ter morrido cedo, com 54 anos, em 1907, os Genesis perguntarem: «Can you tell me where my country lies?/said the unifaun to his true love’s eyes/It lies with me!’ cried the Queen of Maybe/– for her merchandise, he traded in his prize». O toque economicista da Rainha do Talvez perde-se, na sua biografia, pela verdade de ter sido um lídimo professor do Colegio Comercial Anglo Argentino, que aliás fundou, na cidade de Rosário, Argentina. A pergunta, no entanto faz sentido porque ele acabou por já não saber ao certo a que país pertencer por inteiro, se é que alguém se deixa pertencer por inteiro por um país.
Com apenas 16 anos e uma carta de apresentação do pai para, ao que se consta, um velho companheiro de estroina que se instalara em Rosário, um tal de William Wheelwright que era de muito pouca estima da Mrs. Newell mãe, Isaac embarcou num cargueiro saído de Southampton e tratou de usar e abusar da generosidade do fraternal amigo paterno, um industrial rico das áreas naval e ferroviária, indo viver para um palacete que lhe foi posto à disposição e assumindo um emprego bem remunerado na Central Argentine Railway. Ou seja, aqui já pode entrar o sentido do negócio da Queen of Maybe: era um bom partido e não tardou a ser caçado por uma moçoila britânica de bom porte, cara rosada e glúteos abundantes, a calipígia Anna Margaret Jockinsen que lhe deu, de imediato, um filho para alimentar, batizado muito argentinamente de Claudio Lorenza.
Estudou também o jovem Isaac e tornou-se professor. Juntamente com a esposa, e financiado pela vasta fortuna do padrinho Wheelwright, abriu o tal Colegio Comercial que de comercial tinha pouco já que tratou de abrir portas a tudo quanto era rapaziada pobretana da zona, algo que se deve enquadrar numa vertente bem generosa da alma de Newell. Contudo, o seu feito mais glorioso acabou por ensombrar a fundação do estabelecimento de ensino: ganhou fama por ter comprado uma bola de futebol, de couro, das autênticas, a um escocês chamado George Burton, alegrando por completo o pequeno mundo dos adolescentes de Rosário que passavam mais tempo aos pontapés no redondo objeto do que propriamente na gramática inglesa. «Citizens of Hope & Glory/Time goes by – it’s ‘the time of your life’», ouço na memória a voz de Peter Gabriel, e não trago para aqui os Genesis só por trazer, fiquem sabendo que a sua génese tem também uma certa aura curricular já que se formaram como banda musical na Charterhouse School, Godalming, Surrey, embora muito posteriormente aos factos entretanto descritos, no ano de 1967.
Pouca bola para tanto aluno, pensou sabiamente Isaac quando decidiu sabiamente abrir com Burton uma firma de importação de bolas de futebol vindas lá de «where he country lies» diretamente para Rosário. Seguiu-se a sua obra grandiosa de desenhar um campo de futebol com todos os requisitos dentro da propriedade do colégio algo que não tardou a provocar outra génese, a do Club Atletico Newell’s School. Foi como tascar fogo em campo de palha seca. Clube atrai clube na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias, diria outro Isaac, o Newton. No dia 6 de maio de 1899, os fedelhos do Newell’s School entram em campo para disputarem uma acesa partida contra o seu recém-nascido e logo grande rival, o Central Argentine Railway Athletic Club. Algum inglês mais reservado, clássico como uma patilha tipo suíça, amante do críquete e enojado com este novo jogo popularucho, terá sussurrado para com os seus botões: «…Selling england by the pound». Mas nada a fazer que o fogo já era um incêndio. Hoje, o Club Atlético Newell’s Old Boys, fundado em 1903 pelo seu filho Claudio, orgulha-se do seu mentor ao ponto de os ‘hinchas’ levarem para os campos tarjas com o seu nome e com a sua figura: «Carajo!». De forma mesquinha, e por se terem oferecido para jogar uma partida de beneficência num abrigo para leprosos, o Hospital Carrasco, os inimigos trataram de lhes colocar o apodo desagradável: ‘Los Leprosos’. Isaac partiu cedo de um mundo que aprendera a adorar. Doente, ainda assistiu a muitas manifestações de carinho de gente que o considera como verdadeiro pai do futebol argentino. Não, não vendeu a Inglaterra por uma Libra! Levou a Inglaterra para Rosário consigo e deixou lá uma das marcas indeléveis do seu país de nascença. Quanto muito vendeu-a por uma bola. Eu continuo a ouvir, lá ao fundo: «‘Old man dies!’ The note he left was signed ‘Old Father Thames’/– it seems he’s drowned;/selling england by the pound»."
Sem comentários:
Enviar um comentário