sábado, 21 de setembro de 2024

BRUNO LAGE E UM BENFICA EMOCIONAL



 Discurso do treinador do Benfica não é necessariamente cativante e, para já, só tem sido exposto a vitórias, mas o comportamento apela a que as bancadas entrem sempre em campo.

Dois jogos depois, a maior vitória de Bruno Lage é a recuperação de alguma confiança em torno da equipa. Os resultados diante do Santa Clara e, sobretudo, na visita ao sempre terrível ambiente do Marakana de Belgrado, sustentam-no. No entanto, é sobretudo pelas dinâmicas acrescentadas, maioritariamente no que diz respeito ao meio-campo, que o crescimento do moral dos benfiquistas deve assentar. Numa Liga em que o primeiro lugar está cinco pontos acima e com esta Champions, que encerra tanto dificuldades quanto eventuais surpresas lá mais para a frente, voltar a acreditar num final feliz pode ser a maior conquista das águias nos próximos tempos. Não garante títulos, todavia poderá ser o princípio de algo.
Os caminhos que daqui partirão só o treinador os conhecerá, se é que já os projetou, mas o que o acrescentou ao modelo existente, transformando o 4x2x3x1 num 4x3x3 assimétrico que permite controlar melhor o espaço à volta de Ángel Di María, merece ser de imediato valorizada. Não só por ser mais um esquema a entrar no seu portfólio, ou seja, a experimentação de algo específico e não necessariamente antes tentado, mas ainda porque, deste logo, o plot twist tem permitido um maior equilíbrio na reação à perda e garantido, ao mesmo tempo, o crescimento da influência de Kokçu, a atravessar o melhor momento desde que chegou à Luz.
O triângulo criado, com o vértice defensivo a ser pisado por Florentino, está a conseguir libertar os outros dois médios, o turco mais no perfil de um 8 e o argentino mais 8,5, e ambos com o pé mais forte por dentro, prontos para ações decisivas, como passes de rotura, envolvimentos em progressão e finalizações. Logo aí, nota-se uma mudança de abordagem: Roger Schmidt dificilmente criaria uma dinâmica para proteger um jogador, por mais importante que este fosse, mesmo com o exemplo positivo que até vem de uma Argentina campeã do mundo e dupla vencedora da Copa América, em que Rodrigo De Paul se torna uma espécie de cão de guarda de Lionel Messi (e antes também de Di María, com a ajuda de MacAllister e Enzo).
Aursnes, pedra essencial para Schmidt, não esteve no primeiro encontro e acabara de regressar para o segundo, e poderá baralhar as contas deste centro de equilíbrio descoberto, tanto defensivo como ofensivo. Resta saber se Lage já tem a resposta que não só lhe permitiria criar espaço para a reentrada do norueguês como, ao mesmo tempo, manter o que avançou na construção do novo modelo. Não jogarão os quatro ao mesmo tempo e Aursnes dificilmente voltará a ser olhado como interior esquerdo – o que a série goleadora de Akturkoglu apenas confirma –, por isso entre Florentino, Kokçu e Rollheiser um poderá estar a prazo.
O elo mais fraco até poderia ser o português. Já o foi antes, com a chegada de Weigl e o mesmo treinador, e que derivará também de um novo posicionamento que lhe retira aquilo que gosta de fazer: pressionar mais à frente. No entanto, o nórdico, perante maior agressividade na pressão, já mostrou igualmente sentir problemas com a bola nos pés. Se sem o turco, se perderia uma boa ligação entre meio-campo e ataque, com o ex-Estudiantes de fora a passividade de Di María sem bola será muito mais exposta, como foi no segundo tempo em Belgrado. Não é uma equação de resolução fácil.
O bloco, entretanto, baixou uns metros e os setores ficaram mais juntos, o que também ajuda uma linha defensiva lenta como a formada por Otamendi e António Silva no controlo da profundidade. Há espaço para atacar e contra-atacar, e ferir os rivais.
Os encarnados não jogaram sozinhos, o ambiente no Marakana não é fácil para ninguém e, no Estrela Vermelha, mora um ou outro jogador de qualidade. Todavia, depois de uma boa primeira parte e com uma boa vantagem alcançada, o Benfica adormeceu. Perdeu critério na saída, descansou em cima do resultado e acabou a sofrer. Praticamente não chegou à baliza de Glazer e, quando a rondou, tomou más decisões sucessivas. Entregou a bola, não soube arrefecer o jogo, consentiu demais. Ainda houve um remate ao poste de Amdouni, porém foi o tal oásis no deserto. E esta quebra, que pode ser trabalhada, não se consegue explicar. Os encarnados deviam ter reentrado para um novo jogo, mas deram a entender que estavam a caminho do aeroporto. Uma dúvida que ficará para os próximos desafios.
A instabilidade nos segundos 45 minutos chegou à defesa. Kaboré não escondeu debilidades e depois Lage, para ajudar Florentino (com Aursnes), tirou a proteção a Di María (ao substituí-lo por Rollheiser). Se a decisão acalmou inicialmente os sérvios, a verdade é que o tempo voltou a trazê-los de volta ao jogo e agora com mais espaço. Com o encontro ainda assim mais ou menos controlado, Otamendi, que até atravessava bom momento na partida, decidiu sair de posição para ajudar António Silva, porém, ao fazê-lo, libertou o espaço que Milson precisava para bater Trubin. Mais um erro do argentino, a juntar a vários nos jogos anteriores, que não encaixam bem com o exemplo de serenidade e liderança que deveria dar em campo. Até quando a tão sublinhada experiência continuará a ser sobrevalorizada?
Bruno Lage quer claramente jogar com o lado emocional do jogo. O seu discurso, embora algo insosso, aponta sempre aos adeptos, já que sentiu que precisará deles do seu lado para fazer com que a equipa entre em velocidade cruzeiro e eventualmente acelere na perseguição dos rivais, já para não falar do que pode ser uma Luz vestida de Inferno na prova milionária. Não digo que não seja genuíno quando bate no peito depois do apito final no Marakana ou levanta os braços após o empate contra o Santa Clara a pedir o empurrão do terceiro anel, apenas que tal poderá ser tão importante quanto o novo triângulo a meio-campo.
Para já, tudo corre bem e não excessivamente bem, o que é bom. Há resultados a que dar continuidade e mantêm-se os alertas para que não se embandeire em arco. Lage não poderia ter desejado melhor reentrada.
Luís Mateus, in a Bola

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