quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

BRUNO LAGE PARTE NA FRENTE



 Aos poucos, os velhos atores do nosso futebol vão saindo de cena, uns pela via democrática, outros pela via judicial, mas todos na direção que merecem, que é a de uma gradual irrelevância. Há uma tendência para afirmarmos que, aos poucos, se vai respirando um novo ar, mas a verdade é que, feitas as contas, é tudo muito novo no atual futebol português. E mais novo ficará depois das eleições do Benfica no próximo ano, mas sobre isso podemos falar noutro dia.

De repente, parece que entraram novos concorrentes na casa. As novas combinações de presidentes e treinadores nos principais clubes traduziram-se num contexto mais difícil de prever, que ainda estamos a assimilar. Ninguém sabe se os velhos vícios serão retomados, se os novos líderes se revelarão de facto novos ou herdeiros de vícios antigos. Para a maioria, o período experimental ainda dura, já que, no caso do dirigismo desportivo, esse termo equivale no mínimo à duração de um mandato (e há quem seja mandado para casa no fim do período experimental).
Por agora, olhamos curiosos para o novo elenco do reality show ou da série que abandonou os heróis e vilões cansados das últimas 20 temporadas. É tempo de descobrir o que os guionistas prepararam para nós. Por estes dias, vale a pena olhar para os quatro treinadores dos três maiores clubes. Digo quatro porque um deles, apesar de estar fisicamente em Manchester, vai continuar a assombrar o Sporting e o futebol português por mais algum tempo.
Ruben Amorim trouxe uma frescura ao futebol português que há muito não se via. É a partir dele que os próximos treinadores portugueses de sucesso tentarão construir a sua imagem. Mais importante do que isso, conseguiu o que nem mesmo os sportinguistas arriscariam prever. Venceu duas ligas em quatro épocas, mais do que a esmagadora maioria dos treinadores foi capaz de fazer no Benfica ou no FC Porto, o que faz dele um autêntico milagre e provavelmente o melhor treinador da história do Sporting. Bom comunicador, belíssimo treinador, um tipo com impacto imediato por onde passa, enquanto lá está e, sabemos agora, imediatamente após a sua saída. O comboio passou quando menos esperava e assim foi, uma espécie de filho pródigo que decidiu ir à sua vida e que, um dia, inevitavelmente, regressará a casa. Por casa entenda-se o clube do coração e não a entidade patronal destes últimos anos. Até Ruben Amorim saberá que está destinado a treinar o Benfica, mas sobre isso podemos falar noutro dia.
De um benfiquista para outro. Não vou mentir. É uma sensação agradável olhar para o Sporting poucas semanas depois da saída de Ruben Amorim e ver toda a gente — jogadores, presidente e João Pereira — com um ar desorientado de quem subitamente perdeu o superpoder e não sabe como o recuperar. É, digamos, divertido. João Pereira bem pode ter sorrido no dia da apresentação e falado da sua cadeira de sonho, mas não acredito que não tivesse consciência da missão incrivelmente complicada que tinha pela frente.
Sim, o plantel do Sporting é equilibrado e tem bons jogadores, incluindo um avançado sueco quase impossível de travar. Mas, nada disso livra João Pereira do berbicacho em que se meteu. O contexto é assim: um treinador com pouco currículo e pouca preparação para o cargo, num contexto de elevada pressão, menos vocacionado para a relação com a comunicação social, a quem não se reconhece impacto nos poucos contextos em que foi treinador principal, sem uma ideia de jogo relevante que tenha demonstrado ser capaz de executar, e, como se tudo isto não bastasse, alguém a quem é hoje exigido mais do que foi exigido a Ruben Amorim quando este chegou ao Sporting, tanto em qualidade de jogo como em sucesso desportivo.
Tivesse eu dúvidas e rapidamente as teria esclarecido com uma leitura dos jornais. Todos vimos notícias do tipo «direção-está-convictamente-ao-lado-do-treinador!», mas não me lembro de muitas surgidas tão pouco tempo depois de o referido treinador ter sido contratado. Se não fosse benfiquista, mas antes um mero observador da condição humana, a minha empatia levar-me-ia a sentir alguma pena de João Pereira. Não tendo essa empatia em mim, aguardarei pacientemente pelo jogo do Sporting em Moreira de Cónegos, fazendo votos de que seja mais um duríssimo embate com a realidade. Costuma dizer-se que o futebol é o momento e eu concordo. É um belíssimo momento para o Sporting voltar a perder pontos.
Bem vistas as coisas, João Pereira e Vítor Bruno não são muito diferentes. É verdade que João Pereira se mostra bastante tímido na sala de imprensa e Vítor Bruno parece por vezes estar a promover uma metodologia de auto-ajuda, mas ambos sucederam a lideranças fortes e marcantes. No caso de Vítor Bruno, a circunstância é agravada pela angústia da massa adepta, a braços com uma crise existencial depois de décadas a endeusar uma certa forma de estar. É complicado. As semanas vão passando, a equipa joga pedras, as conferências de imprensa doem quase tanto como o futebol, o presidente já não sabe quantos mais murros na mesa há-de dar, e o coração dos portistas balança. No caso dos sportinguistas, há uma conclusão imediata de que o segredo estava no treinador. No caso dos portistas, há uma leve suspeita de que o segredo talvez estivesse naquela insuportável tríade presidente-treinador-diretor técnico. O portista está indeciso: será que quer uma mudança, custe o que custar, ou prefere antes um presidente e um treinador como os que vieram antes, um pouco na lógica do rouba-grita com os árbitros-intimida toda a gente-mas-faz. Vítor Bruno não parece feito desta fibra que os portistas passaram décadas a gabar. Será que essa cultura é recuperável, ou é uma construção que ruiu com Pinto da Costa e não será reerguida? Seja qual for o desfecho, tem dado gosto acompanhar este FC Porto. É manter!
Feitas as contas, tem a palavra Bruno Lage, homem a quem já dediquei uma igreja, meses antes de ganhar juízo. Mas o contexto mudou de tal forma que o treinador do Benfica é agora o mais preparado dos três treinadores que lideram os grandes, apenas superado em experiência pelo SC Braga de Carvalhal, que não parece capaz de entrar nestas contas. A inteligência que Lage tem revelado na preparação e na gestão da equipa ao longo dos jogos, a par de ideias mais consolidadas e tangíveis, parecem indicar, pelo menos em tese, que é Lage quem parte na frente para aquilo que resta deste campeonato. São boas condições para conseguir aquilo que há poucos meses parecia impossível. Resta-lhe continuar a trabalhar para isso e não desiludir. Cá estaremos para apoiar do primeiro ao último minuto.
Vasco Mendonça, in a Bola

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