"O Benfica derrotou o Gil Vicente no jogo em atraso da jornada 24. A oito jornadas do fim está empatado em pontos com o campeão Sporting. Estamos a entrar na reta final de um campeonato disputadíssimo entre os dois rivais de Lisboa, com FC Porto e SC Braga mais atrás. Serão oito jornadas de emoções, expectativas e nervos.
O Sporting procura um bicampeonato que não consegue desde os «Cinco Violinos», nos anos 50, e o Benfica quer recuperar a hegemonia que teve por altura do Tetra e o seu campeonato n.º 39, cada vez mais próximo das quatro dezenas. E quem sabe, até, repetir o Triplete de 2014, dado que após a conquista da Taça da Liga, ainda pode fazer a dobradinha.
Alex Ferguson chamava a estes jogos finais de campeonatos altamente disputados como o «Squeaky Bum Time». Uma analogia quando estamos nervosos e mexemo-nos na cadeira, nos encolhemos e comprimimos, nos momentos de maior tensão.
E dizia o treinador escocês que é preciso uma grande força mental para aguentar essa pressão e só os mais fortes nesse período saem vitoriosos. Daí ele forçar tanto os mind games (tal como Mourinho depois também fazia) e na sua la
rga hegemonia ter visto Newcastle ou Arsenal cederem nessas jornadas finais, em detrimento de um Man Utd que - na altura - era um clube altamente experienciado nesse mar turbulento das jornadas finais que decidem um campeonato.
Nas últimas décadas, o benfiquista bem se tem habituado a esse «squeaky bum time», pois ganhar campeonatos com muitos pontos de avanço é coisa que já há décadas não se vê para os lados da Luz. Talvez o único mais tranquilo tenha sido 2013/14, que foi conquistado na antepenúltima jornada com sete pontos de avanço para o Sporting. Mas até esse foi nervoso (o Benfica chegou a estar cinco pontos atrás do FC Porto).
Será um exercício curioso tentar recordar as retas finais mais intensas em que o Ferrari Vermelho arrancou e nunca mais ninguém o parou. Colocarei por ordem decrescente os que, na minha opinião, foram os mais emocionantes, memoráveis e incríveis.
2016/17: O ano do tetra. Em que o Benfica disputou o título taco a taco com um FC Porto treinado por Nuno Espírito Santo: os seis pontos de diferença no final não refletem essa luta. Basta pensar que na 28.ª jornada os dois clubes encontraram-se na Luz apenas separados por um ponto. Se o FC Porto tem feito o que infelizmente muito tem feito, isto é, vencer na Luz, tinha passado para primeiro. O jogo acabou empatado. Como empatado tinha o Benfica na jornada anterior na deslocação a Paços de Ferreira. Por sorte, o FC Porto também empatou no dia seguinte.
Depois houve vitórias sofridas na Luz por 1-0 ao Moreirense, 2-1 ao Estoril e uma deslocação a Alvalade que, em caso de derrota, voltaria a colocar o FC Porto na liderança. E até mal começou, com Ederson a fazer um grande penalidade e o Benfica a perder logo aos dois minutos. Na segunda parte, Lindelöf empatou num golaço de livre e o Glorioso sobreviveu.
Na antepenúltima jornada venceu no campo do Rio Ave com um golo «orgástico» de Raúl Jiménez e o jogo da consagração foi na jornada seguinte, com a receção ao Vitória SC. E aí foi só festa, nada de nervos. Uma 'manita' histórica de 5-0 a selar a conquista do primeiro tetracampeonato da história do Benfica. E com Jonas lesionado em vários momentos da temporada!
2009/10: Após a conquista do 31.º campeonato em 2005, o Benfica tinha estado quatro épocas a ver o FC Porto a ser campeão. E a mal conseguir dar luta, pois nesses quatro anos até foi sempre o Sporting a terminar no segundo lugar. Contudo, em 2009 chegou Jorge Jesus e foi um furacão que se instalou na Luz. Foi a época do famoso rolo compressor em que o Benfica goleava e esmagava muitos dos que lhe apareciam pela frente.
Uma das melhores equipas do Benfica dos tempos modernos com David Luiz, Di Maria, Ramires, Aimar, Cardozo ou Saviola a espalharem chocolate semana após semana. Mas claro que à Benfica, é sempre a sofrer! E nessa época sofreu com um surpreendente SC Braga treinado por Domingos Paciência.
Nas jornadas finais, por exemplo, Benfica e Braga encontraram-se na Luz separados por três pontos. Venceu o Benfica com um golo importantíssimo de Luisão ainda na primeira parte, mas na jornada seguinte o Benfica chegou a estar a perder por 0-2 com a Naval aos 14 minutos! Depois deu a volta e venceu por 4-2.
Tivemos uma vitória fulcral sobre o Sporting por 2-0 na Luz e outra emocionante sobre a Académica (treinada por um jovem André Villas Boas) por 3-2. O Benfica até chegou ao Dragão na penúltima jornada a poder ser campeão no campo do velho rival. Infelizmente não conseguiu, perdeu 1-3 e o título só foi celebrado na última jornada com uma vitória sobre o Rio Ave. Sofrida, claro, por 2-1, que no Benfica é sempre assim...
2018/19: Quando Rui Vitória foi despedido à 15.ª jornada, após uma derrota em Portimão, o Benfica estava a sete pontos do FC Porto. Depois entrou Lage e o Benfica fez uma das melhores segundas voltas da sua história. Foram meses incríveis com vitórias em Alvalade e no Dragão, assim como goleadas (10-0 ao Nacional). O que não invalida que não tenha havido sofrimento, claro!
O Benfica chegou a empatar 2-2 na Luz com o Belenenses, já a caminho da versão B SAD, e a deixar o FC Porto ficar com os mesmos pontos. Depois o clube do norte empatou um jogo e o Benfica andou até ao fim com dois pontos de avanço. Teve uma vitória sobre o CD Tondela na Luz, em que o golo surgiu só aos 83 minutos. Deu 4-1 ao Feirense, mas ainda esteve a perder. Deu 4-1 ao SC Braga, mas ainda esteve a perder. Deu 5-1 ao Portimonense, mas ainda esteve a perder. Isto tudo nas jornadas finais!
Numa fase posterior, foi vencer por 3-2 ao campo do Rio Ave (na penúltima jornada) e a festa do título fez-se na Luz com um 4-1 ao Santa Clara. Dos campeonatos mais emocionantes de sempre, sem dúvida, dado que naquela noite em Portimão em que Rui Vitória foi despedido, poucos diriam que a época acabaria em festa.
2004/05: Há longos 11 anos que o Benfica não era campeão. Já longe ia a memória de 1993/94 e o épico 6-3 ao Sporting, com o hat-trick do João Pinto. O Benfica, treinado por Trapattoni, vivia do talento de Simão Sabrosa e pouco mais. É aliás, ainda hoje, o campeão com menos pontos de sempre. As jornadas finais foram de um sofrimento e nervos atrozes, com o país em suspenso por saber se o Benfica, o maior clube português, ia voltar a ser campeão.
Houve um 4-3 ao Marítimo na Luz com um golo de Mantorras nos minutos finais, mas logo na jornada seguinte, o Benfica foi perder a Vila do Conde com o Rio Ave, também com um golo nos minutos finais. Empatou a seguir com o Leiria na Luz, com outro golo de Mantorras nos minutos finais. E o que aconteceu naquele muito falado jogo com o Estoril no Algarve? Vitória por 1-2...com golo de Mantorras nos minutos finais.
Depois o Benfica venceu o Belenenses na Luz por 1-0, perdeu com o FC Penafiel fora por 0-1 e recebeu o Sporting na penúltima jornada. Basicamente, quem vencesse era campeão. Venceu o Benfica com aquele golo de Luisão aos 83 minutos, com Ricardo a reclamar com o árbitro que tinha sido com a mão. Na última jornada, mais sofrimento, com um empate 1-1 no Bessa com o Boavista. Valeu que o FC Porto também empatou em casa com a Académica e os benfiquistas puderam fazer a festa onze anos depois.
2015/16: Não estarei a mentir se disser que para muitos benfiquistas (eu incluído) este é o campeonato mais saboroso dos últimos tempos. Jorge Jesus tinha ido treinar o Sporting e passou o ano a provocar-nos. O seu Sporting venceu-nos para a Supertaça, venceu-nos para a Taça de Portugal, chegou a ir dar chapa três na Luz para o campeonato. Bruno de Carvalho gozava-nos diariamente e chegou a dizer que era importante os adversários começarem a dar mais luta. Era a bazófia total do outro lado da segunda circular.
Contudo, o Benfica acertou num meio-campo com Fejsa e Renato Sanches. Gaitán, Jonas, Mitroglou e Pizzi começaram a fazer magia lá na frente. O que não invalida, claro, que... não tenha havido sofrimento. Quem ainda hoje não se recorda daquele golo do Mitroglou em Alvalade? Ou do falhanço do Bryan Ruiz? Foram jornadas inacreditáveis.
O golo do Jonas nos últimos minutos no Bessa! O golo de Raúl Jiménez nos últimos minutos em Coimbra! Levar um golo do V. Setúbal na Luz logo no primeiro minuto e acabar a vencer a tremer, por 2-1. Ficar reduzido a dez contra o Marítimo ainda na primeira parte na Madeira, mas mesmo assim ir vencer por 0-2 na segunda parte. A última jornada já foi de uma festa gigantesca com o 4-1 ao Nacional. Benfica era tricampeão. Jorge Jesus e Bruno de Carvalho arrependiam-se de tudo o que tinham dito do Benfica, daquela equipa e de Rui Vitória durante o ano.
Em sentido inverso, claro... 2012/13. O ano em que o «Squeaky Bum Time» saiu ao contrário, com aquele horrível golo do Kelvin no Dragão. Mas benfiquista que é benfiquista, não gosta de se recordar disso e esperemos que este ano não aconteça nenhuma tragédia grega. Nestas oito jornadas finais, o Benfica ainda tem de ir ao Dragão, a Guimarães, a Braga e recebe o Sporting na penúltima jornada, portanto, emoção não vai faltar.
Esperemos que esta equipa se inspire em arrancadas passadas e já se sabe, quando o Ferrari Vermelho arranca..."
Filipe Inglês, in ZeroZero