O Desporto e as atividades que dele fazem parte, tem tido ao longo do tempo um forte impacto na sociedade, despertando paixões, suscitando críticas, inspirando artistas, tudo isto justificado pelo maior impacto social transmitido pelos media, envolvendo direta e indiretamente toda a sociedade, quer pelo valor da sua prática, quer na condição de adeptos e profissionais pelos serviços prestados. Daí que qualquer jogo, em especial no âmbito do futebol e especialmente quando se apresenta como um fenómeno de consumo, resultado da sua alta popularidade, gera como consequência forte impacto nos hábitos e atitudes de um povo, podendo mesmo constituir-se como um laboratório de análise social, assumindo-se como um fenómeno de grande complexidade, servindo de espaço de união ou dispersão, alicerçando de forma abrangente toda uma sociedade sem fronteiras, onde a sua linguagem universal se documenta e exalta.
Como tenho vindo a referir nesta oportunidade comunicativa, perante a dinâmica que o jogo faz incidir e da importância excessiva atribuída tanto às vitórias como às derrotas, pode desempenhar um papel projetivo e coletor de frustrações dos adeptos quando perdem, e exaltação desmedida daqueles que simplesmente ganham, abrindo espaço para ondas de violência como feridas abertas, prontas a latejar como rastilho para o conflituoso uso de maneiras que não se desejavam.
Assim é que a violência se apresenta bem documentada, com estatuto de plena representatividade. Quantas vezes frases feitas de boas maneiras envoltas em simples gestos, cobertas por sorrisos abertos, escondem frustrações e desempenhos que a impulsividade de qualquer gesto acaba por ser a tampa dum ódio libertador.
A dinâmica imprimida pela conquista da posse da bola, a inquietude revelada nos lances falhados, a má interpretação pelo julgamento do jogo, a confirmação dum mau julgamento via informação prestada pelas novas tecnologias, a conquista do resultado positivo como única garantia para premiar o sucesso, associado a demais causas, tais como: deficiente formação educativa, acompanhada duma degradante iliteracia desportiva; impreparação cívica e humana dos intervenientes; natureza do recinto desportivo; obscuridade, ruído, álcool e outras drogas; rivalidade e racismo; historial qualificativo de violência; claques inseridas por grupos ultras e hooliganismo, etc… apresentam-se como índice de causalidade mais evocativo para a propalada violência.
Por vezes o estado de alma, como eco libertador da consciência de quem joga ou assiste, dirige ou treina, julga ou comenta, pode gerar festa e tragédia, esperança e medo, dúvida e razão e da euforia ao conflito, como da paixão à agressão, vai a distância dum tempo favorável para a criação de situações conflituosas, dando lugar à euforia e à cólera perante as fases mais relevantes: marcação ou não de penálti, o golo marcado ou invalidado, a falta inexistente e o estádio, ou outro espaço desportivo, transforma-se numa labareda de opiniões com efeitos por vezes dramáticos.
Cria-se assim à volta e por dentro do espaço do jogo um ambiente propício ao conflito, dado que proliferam escondidos nas próprias sombras, um contingente de inadaptados e marginalizados, que sempre estão dispostos a reincidir as regras do bom senso, incitando ao conflito, tendo ali uma boa oportunidade de provocar o tumulto. São como bestas humanas que se infiltram na multidão, estendendo tapetes de sangue por onde passam, cobrindo de luto a essência pacífica e emuladora que sempre o belo jogo deve promover.
Agressões de forma continuada a árbitros e público em geral (só no futebol de formação houve um crescimento de 109 para 595 ocorrências registadas pelas autoridades entre 2019/20 e 2023/24); discussões acesas em alguns programas de comunicação social que nos entram pela casa dentro, documentadas por imagens que enganam e disfarçam com a falta de vergonha como são expostas; o desporto na generalidade e o futebol em particular, este belo jogo, acaba como que sugado pelo trânsito das palavras e das ideias, demente entre as pessoas que espreitam o conflito, dele se alimentam e se revisitam no espelho da própria ignorância… eis a loucura de trato misturada por uma linguagem rasca entre alguns figurões, prisioneiros pelas malhas da animalidade, grosseria e bestialidade.
É urgente e necessário tomar mediadas severamente punitivas para quem não é capaz de viver de forma social e pedagógica o compromisso do fair-play, que implica o respeito pelas regras, a garantia de cumprimento de um conjunto de deveres, obrigações e comportamentos, um modo de pensar e atuar, perante uma filosofia de vida que enriquece de forma exemplar a identidade individual ou coletiva, pelas manifestações de orgulho cooperante e participativo.
Verificamos que a tutela, dada a lentidão de processos (sentenças adiadas e movidas por uma morosidade que mais parece fazer esquecimento na sua aplicação; penas leves com apenas alguns meses de suspensão, etc…) não tem sido tão eficaz como o deveria, tomando medidas punitivas de urgente responsabilidade, a fim de se assumir uma adequada e exemplar correção.
Um dia já o referi e volto a insistir, quanto a mim e a título de exemplo, dever-se-ia exigir um maior reforço de segurança, a identificação e imediata punição do agressor ( dada a facilidade de identificação pelas câmaras de vídeo colocadas em pontos estratégicos dos estádios e ou pavilhões), eliminando-lhe o acesso ao recinto do jogo, deslocando-se para o efeito à esquadra ou comando policial, possibilitando-lhe a audição em relato ou visualização do mesmo; obrigatoriedade de formação e educação cívica e desportiva; efetuação de trabalho comunitário congruente até à irradicação absoluta, podendo e devendo fazer constar na comunicação social os arautos da desgraça e a possibilidade de analisar o estado de resposta ao arrependimento.
Creio que deste modo, estariam criadas as condições para deixarmo-nos envolver por este belo sentimento de amor ao desporto em geral e ao futebol em particular, transferindo-o para o tal jogo fantástico, apelando a raros e únicos momentos de inspiração em movimento, onde a harmonia do gesto, insubordinado umas vezes, inspirador e ousado noutras, mas sempre emocionalmente excitante, nos vai facultando.
Como referia o meu distinto colega Professor Doutor Júlio Garganta: «FUTEBOL— um belo jogo em que em 90 minutos é possível condensar várias histórias e reproduzir muitas graças e desgraças da vida, daí um dos seus principais encantos. Uma magnífica construção cultural retratada em obras de arte em movimento, cuja magnitude social muitos intelectuais ainda não entenderam.»
Para concluir com uma referência ao meu amado e já tão saudoso Professor Doutor Manuel Sérgio: «Num espetacular jogo de Futebol podemos enquadrar um dos fenómenos sociais e culturais de maior magia do mundo contemporâneo.»
Façamos tudo, mas mesmo tudo para o merecer!...
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