"Será uma lástima se a Champions voltar a ser um caso perdido. Lage e os seus jogadores têm de pensar no que isso dói aos campeões europeus de 1961 e 1962 ainda vivos
Cervi titular com o Leipzig sem um minuto de competição, Cervi de fora no jogo com o Moreirense depois de ter sido titular quatro dias antes com os alemães, tudo é aproveitado para colocar pedras no caminho de Bruno Lage e ensombrar o brilho do seu trabalho.
Nenhuma surpresa quanto a isso. Ele deveria estar preparado para o impacto das derrotas e saber que, mais cedo ou mais tarde, seria contestado e alguém faria emergir a dúvida mais sobre o seu perfil do que sobre a sua competência para assumir o alto cargo de comandante do futebol benfiquista e, através desse enviesado estratagema, atingir o alvo principal que é o projecto do Seixal e o seu extraordinário impulsionador, Luís Filipe Vieira.
Bruno Lage já tinha sido derrotado antes, mas com a nação encarnada e a comunicação social em geral concentradas no objectivo Reconquista, os desaires noutras competições foram encarados como normais acidentes de percurso e, por isso, de irrelevante significado.
O Benfica foi campeão, conquistou o 37.º título, festejou com inebriante entusiasmo por todo o País, diria por todo o Mundo onde vive um português, e a vida continuou em direcção ao 38.º, que é onde estamos, exactamente, neste momento, perante um dado novo, porém: ao 22.º jogo na Liga, Lage perdeu, pela primeira vez, e logo com o FC Porto. Podia ter sido com outro adversário, mas foi com este, o principal rival, e da forma como foi: inquestionável. A partir daqui desencadeou-se um fenómeno curioso.
No essencial, tentou fazer-se crer que a águia entrou em voo desordenado, do qual vai sentir dificuldade em sair devido à impreparação de Lage, produto supremo dessa mania do presidente que vê nos jovens da formação a alavanca que vai devolver à águia o prestígio europeu e mundial que ostentou entre as décadas de 60 e 80 do século passado. Como se não bastasse a ideia louca de Vieira em gerar no Seixal os craques de amanhã, deu-lhe também na cabeça descobrir por lá o treinador que os há de ajudar a crescer.
Benfica, enfim, no caminho certo - foi este o título de uma das minhas crónicas semanais, há meia dúzia de meses. No caminho certo, porquê? Por Vieira, além de ter sacudido de vez os fantasmas do passado, com argúcia e sensatez, ter também tomado uma das mais importantes decisões no seu ministério ao escolher um treinador verdadeiramente sintonizado com o projecto da formação.
A opinião que hoje defendo é precisamente a mesma. Quando se define um fim é normal que, até alcança-lo, haja avanços e recuos, dúvidas, contradições e correcções, um sem número de medidas que se impõem à medida que o projecto cresce e avança e outros desafios se colocam, sempre numa perspectiva de crescimento que pede respostas concretas e seguras.
O Benfica está a fazer esse caminho, e bem. A evolução é constante e, por isso, além de maior clube de Portugal, será já «demasiado grande para Portugal», como o CEO Domingos Soares de Oliveira defendeu, com hábil oportunidade, em recente entrevista à agência EFE.
O emblema da águia quer expandir a sua dimensão universal, abraçar outros mercados, captar novos patrocinadores, gerar riqueza e consolidar uma estratégia de internacionalização que precisa do sucesso do seu futebol, alicerçado no trabalho realizado numa academia de topo a nível mundial. «Para muitos clubes, a obsessão é o resultado imediato. Nós temos uma situação mista: queremos resultados (ganhar o nosso Campeonato e chegar o mais longe possível na Champions), mas também integrar jovens jogadores», sublinhou Domingos Soares de Oliveira.
Se o futebol continuar a ganhar as coisas ficam mais fáceis e o percurso menos árduo. É a área da responsabilidade de Bruno Lage que nos dez meses como treinador principal decidiu quase sempre bem. Prova disso, as muitas vitórias e a conquista de um título que parecia perdido e que imenso orgulho trouxe à família benfiquista. Além de, com a espontaneidade de um puro, ter promovido novo tipo de comunicação, sem gritos, sem agressões, nem bazófias, apenas com simplicidade e graça e com a intenção que me parece genuína de estabelecer laços de saudável convivência com os restantes actores.
À beira de completar um ano em lugar de tamanha exigência e loucamente invejado, aprendeu, seguramente, que deve evitar as falsas palmadinhas nas costas e acolher as referências encomiásticas a seu respeito com a conveniente distância. Por outro lado, deve ter sempre a consciência plena que é, e só, o treinador do Benfica, evitando cair na tentação de se transformar numa espécie de santo milagreiro com poderes de transformar pedras em ouro.
Louva-se o seu entusiasmo em experimentar, adaptar-se e resolver os problemas do plantel com a gente disponível, mas igualmente com os limites que a lucidez aconselha, porque a qualidade não se inventa. Há ou não e, assim sendo, apesar dos azares das lesões, será uma lástima se a Champions voltar a ser um caso perdido.
Lage e os seus jogadores têm de pensar no que isso dói aos campeões europeus de 61 e 62 ainda vivos."
Fernando Guerra, in A Bola
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