quarta-feira, 1 de abril de 2020

GORDOS


"1. Em Janeiro, quando o futebol ainda era importante, disse Thomas Tuchel sobre Cavani. «Há coisas piores na vida do que ficar no PSG». E também há coisas piores na vida do que ficar em casa, por mais que agora não pareça.
2. O treinador Luís Castro resumiu tudo muito bem num artigo na Tribuna Expresso. «Há 10 dias pensava em futebol. Hoje penso na arriscada viagem ao supermercado, mais complexa do que jogo contra o Man. City».
3. As notícias de milhares de mortos chegam-nos diariamente com a naturalidade de um boletim meteorológico. Eu também gostava que a época fosse terminada, nada seria mais justo, mas querer jogar à força é a maior fraqueza que o futebol pode ter.
4. Entre outras coisas (a começar pelo risco para saúde pública, mesmo à porta fechada), como iriam explicar ao povo que há vidas apagarem-se como velas ao vento enquanto se joga futebol) E em cada jogo há dois médicos à espera de ir meter spray...
5. A pressa é inimiga da perfeição e amante da irresponsabilidade. É a altura de assumir que a época, provavelmente, não será mesmo retomada e começarmos a pensar nas decisões mais difíceis e injustas mas inevitáveis: as de secretaria.
6. Diz a ministra que para nos voltarmos a abraçar é preciso ficarmos longe. É como dizer-nos que só podemos ganhar marcando um autogolo.
7. Nem de propósito, a música You'll Never Walk Alone, de Gerry and the Pacemakers, adoptada como hino do Liverpool, é a mais ouvida no Reino Unido na era do Covid-10. Faz tanto e tão pouco sentido ao mesmo tempo.
8. Nesta luta não pode haver dois Rambos. O dos dias de chuva (papel higiénico, gel desinfectante e lata de atum) e o dos dias de sol (toalha, chapéu e bronzeador). Se o vírus é inteligente, não o ajudemos sendo burros.
9. Talvez tenhamos mesmo de sair disto mais gordos, como dizia Guardiola. Para não sairmos menos vivos."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

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