"Portugal perdeu um lugar nas provas europeias de clubes e foi despromovido para a terceira linha de importância na Liga dos Campeões - mais um duro golpe no delirante projecto de internacionalização da Liga Portugal. Durante três anos, a ameaça de perder aqueles lugares e descer na hierarquia da UEFA mereceu repetidos alertas na comunicação social, mas nada foi feito para evitar a queda para um alçapão de onde vai ser quase impossível sair.
Dois clubes, Porto e Benfica, mantiveram esforçadamente aquela posição destacada com sucessivas presenças nas fases adiantadas das provas, a que se juntou este ano o Sporting. Mas não chegou.
Ironicamente, esta míngua da fatia do bolo da UEFA que vai ter sérias implicações nas finanças dos nossos grandes clubes, dois deles em permanente estado de falência técnica, surge no melhor ano do século em que, por pouco, não tivemos pela primeira vez três equipas nos oitavos da Champions.
Quando se pensa na solidariedade global subjacente à distribuição mais “justa” dos direitos televisivos a nível nacional, esta hecatombe europeia permite antever o que vai acontecer na Liga Portugal: reduzir o poder dos grandes para disfarçar as fraquezas dos pequenos apenas servirá para desbaratar recursos, diminuir competitividade geral e premiar a indolência.
Os clubes que querem ser ajudados a nível interno nunca mostraram qualquer ambição europeia, por contraste com os seus concorrentes da França, da Itália, da Holanda ou da Bélgica (tal como os da Rússia até ao desvario putinesco), os quais vêm trabalhando para cimentar posições nas competições intermédias e acabaram contemplados com a criação da Liga Conferência, o grande bodo aos pobres que a UEFA concebeu à medida deles, com um impacto tremendo nos rankings, mas que os nossos dirigentes fizeram questão de negligenciar. Por causa do trabalho que exige, como foi exemplo o banho de humildade a que José Mourinho e a Roma se sujeitaram na época anterior.
Dos 20 principais países do ranking europeu, apenas Portugal, Croácia e Grécia não tiveram representantes na fase de grupos, pelo que a participação de Gil Vicente e Vitória de Guimarães, em vez de somar, representou um factor de divisão e perda de significativa percentagem dos pontos que os três grandes conseguiram amealhar na Champions. A isso ainda se juntou a confrangedora participação do Sporting de Braga em duas provas ao seu alcance.
Como na fábula da formiga e da cigarra, a falta de massa crítica da maioria dos nossos clubes para enxergarem um horizonte internacional quando há mais vagas do que nunca nas provas europeias deriva da mesma preguiça funcional que os faz invejar e reclamar das receitas desproporcionadas dos três clubes grandes. É o pensamento transferido do “direito à habitação”, por leitura enviesada das regras constitucionais: se eles têm, nós também temos “direitos”, assim mesmo, caidinhos do céu, como o obscuro “projecto de internacionalização” que preenche a retórica de Pedro Proença sempre que se aproximam eleições na Liga, sem que se lhe conheça uma ideia ou uma ação concreta.
A realidade é brutal: o direito a habitar as provas da UEFA e a receber as suas rendas milionárias conquista-se no terreno de jogo, no trabalho ético, competente e persistente. Para lá chegar, é necessário crescer internamente, desenvolver competências, investir no trabalho, alargar influência desportiva, obter resultados, construir património, aumentar e consolidar audiências. Sem ceder à tentação de saltar etapas e pretender um crescimento artificial através do usucapião dos maiores rendimentos dos clubes grandes que se pretende por via administrativa com abusiva intervenção estatal e que apenas replicará à escala nacional este anunciado empobrecimento, desportivo e financeiro, que ontem se confirmou na Europa: dividir para diminuir."
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