terça-feira, 26 de dezembro de 2023

CHEGA DE PEPE

 


"No final do Sporting-FC Porto, vitória leonina, por 2-0, com golos apontados por Gyokeres e Pedro Gonçalves, Sérgio Conceição queixou-se de nos últimos dois clássicos ter jogado duas horas em inferioridade numérica.
Também poderia ter dito, por exemplo, que nos últimos três com os rivais de Lisboa viu jogadores seus serem expulsos. Pepe, em dose dupla, por agressões, e Fábio Cardoso, na Luz, em lance que considera discutível, e quanto isso nada a opor. A diferença entre o treinador do FC Porto e alguns especialistas na área do comentário afetos ao emblema do dragão é que Sérgio Conceição, apesar de sua tendência para se exceder, sabe fazer uma análise fria de lances polémicos e não se inibe, até, de reconhecer quando erra, o que não acontece com os segundos, donos da sua verdade, muitas vezes alicerçada em argumentação falaciosa para justificar análises feitas de ilusões.
Sérgio Conceição não perdeu tempo com desculpas bafientas e considerou correta a expulsão de Pepe. Disse não ter acompanhado o lance em pormenor, mas viu Matheus Reis a sangrar, prova do crime. Apesar disso, houve quem se desse ao incómodo de tentar contrariar as evidências através exercícios de ilusionismo retórico para criar um cenário alternativo: o capitão portista abriu o braço para sacudir o adversário, jamais com a intenção de o agredir. Não sei como se chega a tal conclusão, mas se isto não é fanatismo, então o que será?
Aconteceu o mesmo no Campeonato do Mundo do Brasil, em 2014, no Portugal, 0-Alemanha, 4, em que Pepe abriu o braço para sacudir Thomas Muller, só que este conseguiu evitar a primeira pancada. Foi para o chão, e, então, Pepe, não satisfeito, encostou-lhe a cabeça. Mas não houve agressão, argumentou o jogador português em conferência de Imprensa, porque a FIFA só o puniu com um jogo de suspensão… O que é que estes dois lances têm em comum? Curiosa, a mesma destreza de Pepe na abertura de braço, em movimento amplo para trás, apenas com a ingénua intenção de as costas da sua mão direita encontrarem os adversários na cara, nos dentes, na boca, no nariz, seja onde for.
A isto chama-se sacudir, o resto é teatro, diz quem sabe… Tal como sucedeu na Supertaça, lembram-se?, em que foi perseguindo Jurásek até que, sacudidela aqui, sacudidela ali, creio que já fora de campo, lhe deu a cacetada final e que correspondeu a mais uma expulsão para enriquecer o currículo. «Viu o cartão amarelo por falta sobre o 9 do Sporting em nova demonstração de dar-se mal com a força do leão nórdico, teve passes disparatados e, por fim, a abrir o segundo tempo, voltou a ser o mau Pepe. O Pepe que agride, o Pepe que acha que o jogo devia acabar quando os árbitros assinalam algo com que ele não concorda. Viu o cartão vermelho (e bem) por ter agredido Matheus Reis. Quando se elogia Pepe por, aos quase 41 anos, continuar a jogar como joga, devemos igualmente criticá-lo por, aos quase 41 anos, ter atitudes apenas entendíveis a um miúdo de 18 anos», escreveu o jornalista Rogério Azevedo, na análise lúcida que assinou no jornal A BOLA sobre o desempenho individual dos jogadores do FC Porto. Ficou tudo dito em meia dúzia de linhas sobre este complexo caso que até hoje ninguém ousou enfrentar, em prejuízo do próprio o jogador. Chega de Pepe! E Roberto Martínez, selecionador português, deve ter consciência disso, porque o problema tem sido sucessivamente ignorado ao longo dos anos em obediência a valores que entendo mal.
Aquele lamentável incidente durante o Real Madrid-Getafe, a 21 de abril de 2009, em que agrediu um opositor de forma bárbara e deu uma chapada a outro, correu mundo e não mais o largou. É verdade que prometeu procurar ajuda para controlar os seus impulsos violentos, embora não se tenha esforçado o suficiente para alterar os comportamentos em campo. Na altura, apanhou dez jogos de castigo, estava na segunda época no Real Madrid. Por outro lado, a parceria com Sergio Ramos não o deve ter beneficiado, e foram muitos anos de convivência. O cadastro disciplinar de Pepe existe e é um problema delicado. Em todos os locais por onde passou deixou a sua marca de mau comportamento, Real Madrid, Marítimo, Besiktas, FC Porto e Seleção Nacional. Não está em causa a pessoa, obviamente, mas as coisas são como são e fazem parte do passado os tempos em que os amigos da irmandade da rua do Bonjardim sabiam que mais depressa subiriam na carreira se fossem obedientes. Agora, com o VAR, tudo mudou e os Pepes desta vida têm dificuldade em sobreviver."

Fernando Guerra, in A Bola

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