"FIFA e a UEFA têm de entender que o futebol não pode ser um ‘poder à parte’
É possível que nem todos tenham já compreendido a fundo o que pode vir a significar o recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que considera contrária à legislação europeia, e por isso ilegal, a determinação da FIFA e UEFA de proibirem atletas e clubes de participarem em competições privadas. A verdade é que este acórdão pode vir a ter consequências tão profundas e revolucionárias como teve o célebre acórdão-Bosman, que em 1995 veio transformar por completo as regras do jogo do futebol mundial no que respeita às transferências.
O filme tem, na realidade, muito de semelhante. E também em 1995, os poderes instituídos no futebol pela FIFA e UEFA, pareciam não acreditar na revolução que se seguiu ao caso levantado por um modesto jogador belga de futebol, que responde pelo nome de Jean-Marc Bosman, e está hoje a caminho dos 60 anos.
Creio que vale a pena lembrar como, em 1990, Jean-Marc Bosman, ao recusar renovar, então, contrato com o FC Liège, da Bélgica, teve a coragem de seguir com um processo judicial contra o clube que o impedia de se transferir livremente. A regra da FIFA era clara: mesmo em fim de contrato, qualquer jogador tinha de comprar a sua liberdade para assinar por outro clube.
Bosman lutou. O processo demorou cinco anos, mas o jogador venceu no Tribunal de Justiça da União Europeia e provocou, no futebol mundial, verdadeira revolução na estrutura de transferências dos jogadores. Ganhou o espírito da liberdade de circulação e nunca mais os clubes puderam exigir contrapartidas financeiras por jogadores em fim de contrato.
O tribunal europeu considerou a lei das transferências, como os senhores da FIFA e da UEFA lhe chamavam, incompatível com o direito fundamental de livre circulação de qualquer trabalhador assegurado pelo Tratado da União Europeia. Os jogadores em fim de contrato passaram a ser livres de mudar de clube sem quaisquer restrições, e apesar da medida vincular então o espaço da União Europeia, não teve, evidentemente, a FIFA outro remédio se não integrá-la em toda a organização do futebol mundial.
O acórdão-Bosman teve ainda efeito sobre os limites então impostos ao número de jogadores estrangeiros por plantel. Decidiu o tribunal que o limite máximo de jogadores estrangeiros no plantel de um clube impedia a liberdade de circulação dos jogadores, que se viam impossibilitados de assinar por um clube que já tivesse atingido o referido limite. Sabe-se o que isso provocou e, hoje, já poucos se lembram de como era o futebol antes dessa revolução.
Agora, com este recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as ideias monopolistas da FIFA e da UEFA, o mais popular espetáculo desportivo do mundo pode voltar a conhecer surpreendentes e profundas mudanças.
A partir de agora, no espaço da União Europeia, clubes e atletas deixam de estar obrigados a competir apenas sob a bandeira da organização da FIFA, em geral, ou da UEFA, em particular. Está, na papel, ganha a batalha a favor de uma privada Superliga europeia, por exemplo, como recentemente a desejava um grupo com 12 dos mais poderosos clubes europeus, no qual apenas permanecem, como sabemos, Real Madrid, Barcelona e Juventus, e creio que nem o novo modelo da Liga dos Campeões (já para 2024/25), nem o futuro Campeonato do Mundo de Clubes (a jogar-se a partir de 2025), pensados para dar mais dinheiro aos clubes e assim satisfazer-lhes algumas das pretensões, serão suficientes para impedir, num futuro relativamente próximo, nova revolução no futebol.
É uma questão de tempo e de dinheiro. Ou, no mínimo, de se compreender no interior da FIFA e da UEFA que o poder, mesmo no futebol, não pode continuar a ser exercido em regime de ditadura. Já será uma vitória!"
Sem comentários:
Enviar um comentário