Belo jogo na Luz, com os encarnados a conseguir reagir às dificuldades colocadas por um muito bem trabalhado Bolonha sem, no entanto, chegarem ao golo da vitória.
O Benfica deu uma parte de avanço ao Bolonha, dizem. Nas várias análises feitas ao 0-0 dos encarnados na Liga dos Campeões, alegado marco de perda de consistência da equipa após as dificuldades e o magro 1-0 diante do V. Guimarães, terá sido esta a frase-feita mais comum. Uma das muitas que estão entranhadas no futebol português há décadas.
Na verdade, aquilo que muitas vezes usamos como simples explicação de canivete suíço para as várias questões levantadas durante uma partida, serve de muito pouco. É impossível avaliar algo com tantas variáveis, distribuídas por tantos momentos, ao longo de mais de 90 minutos, e que por sua vez se relacionam com tantas outras fora do relvado a partir de cada um dos protagonistas, em duas ou três ideias, quanto mais numa frase, que nada de científico ou matemático possui. E, além do mais, é tremendamente vaga. O que realmente quer dizer? Que a equipa que «deu de avanço» não quis atacar?
Encontramos esta época vários exemplos que até que contrariam a relevância da expressão. Por exemplo, o Sporting não ofereceu ao FC Porto os primeiros 45 minutos da Supertaça e mesmo assim perdeu-a. Terão sido, por sua vez, os dragões a fazê-lo? Os de Alvalade estiveram a vencer desde os 24 minutos por 3-0 e deixaram o troféu fugir no prolongamento. Os dragões recuperaram de 0-3 para 4-3, porém será que alguém pode mesmo concluir que se desleixaram na primeira parte ao ponto de se poder atirar com tal ideia? Mais uma vez, o Sporting na Bélgica fez o 0-1 logo aos 3 minutos e deixou que a partida virasse. Não deu de avanço e também saiu derrotado.
Um jogo tem 90 minutos e mais uns quantos de compensação. Por muito que o estudo do adversário seja hoje tremendamente exaustivo e completo, é feito por ambos os lados da barricada. A probabilidade de que, de parte a parte, após o pontapé de saída, se encontre algo antes não observado é mínima, porém, até para contrariar essa mesma análise, existe.
Há ainda a passagem da teoria à prática. Mesmo que determinada dinâmica ou fragilidade tenha sido identificada, o ajuste de comportamentos tendo em conta essa perceção pode não ter ficado perfeito. Há poucas horas entre cada partida e é naturalmente impossível treinar com jogadores exatamente iguais aos que os rivais vão levar para o relvado e que podem vislumbrar num ápice vários rotas alternativas.
É normal que, devido ao peso da História, o favoritismo de um Benfica-Bolonha caia para o lado dos encarnados. No entanto, retirar daí a sentença de um triunfo tranquilo dos portugueses seria sempre precipitado e leva a desconfiar de algum desconhecimento do momento do conjunto italiano, mesmo que este tenha feito um arranque mais periclitante na prova milionária e na Serie A, na qual ainda assim já é oitava classificada, com os mesmos pontos do habitual candidato ao scudetto Milan. O conjunto da Emilia-Romagna foi das equipas que melhor futebol praticou na última época e, mesmo tendo perdido alguns jogadores como Zirkzee, Calafiori e Arnautovic, conseguiu bons negócios com Dallinga, Holm, Odgaard e Freuler, e ainda substituir o técnico Thiago Motta, hoje na Juventus, por mais um estratega de grande valor, com um trabalho muito competente na Fiorentina: Vincenzo Italiano.
A qualidade da equipa transalpina ficou bem patente nos primeiros 45 minutos, em que tornou praticamente inútil a pressão dos portugueses e garantiu o domínio da bola (e o controlo do jogo). Sem criar grandes oportunidades, manteve as águias longe da sua área, embora tenha consentido uma ou outra oportunidade, em que o excelente Skorupski foi chamado a intervir. Por sua vez, ao pressionar forte e bem, também criou dificuldades na saída encarnada. Mais produtiva agora do que com Schmidt, nem que seja pela excelência de Tomás Araújo e a consistência de Carreras – as melhores exibições da noite – a primeira fase de construção precisou de tempo para poder evoluir junto à relva e evitar as bolas longas, na verdade bolas perdidas, tal a incapacidade de ganhá-las mais à frente, devido a uma equipa demasiado esticada entre a defesa e o ataque. Olhando para isto, pergunto: foram os encarnados que não quiseram atacar ou os italianos que não o permitiram?
O Benfica precisou do intervalo para Bruno Lage afinar os tempos da pressão – os jogadores estavam a chegar um pouco atrasados –, lembrar que os setores tinham de estar mais próximos e aos defesas para se tornarem mais proativos, com encurtamentos e tentativas de antecipação, recuperando rapidamente a bola. O Bolonha, apesar de um ou outro bom momento, pareceu bem mais controlável e as oportunidades sucederam-se. Não foi só Skorupski a brilhar entre os postes, houve também desacerto na finalização. Pavlidis teve a chance mais flagrante e, embora o guardião polaco tenha sido brilhante, faltou ao grego discernimento para fazer subir a bola e não dar assim qualquer ao adversário hipótese de defesa.
A equipa de Lage chegou muito a tempo ao jogo, ao contrário do que se tem defendido. Não jogou da mesma forma na primeira e na segunda parte, porque simplesmente não podia. E o mau resultado, por ser na Luz, acabou por levar a conclusões que ainda parecem precipitadas.
Admiro-me que tenha faltado atirar que não houve intensidade, garra ou atitude, a famosa chave tripla de explicações que querem mais ou menos dizer o mesmo: quem vê bola gosta de ter os futebolistas a correr de um lado para o outro e a comer a relva como se fosse atletismo.
Claro que houve intensidade brutal em Álvaro Carreras, em Tomás Araújo e em Aursnes mais uma vez. Mas não se confundam. Essa nada teve que ver com os quilómetros que correram ou a que velocidade, com ou sem bola – e terão sido muitos e rapidamente percorridos –, mas sim no foco, na concentração e na clarividência na tomada de decisão. Essa é que é a verdadeira intensidade, e a garra e a atitude certas. Como dizia Cruijff, o futebol joga-se com a cabeça, as pernas só estão lá para ajudar.
Luís Mateus, in a Bola
Sem comentários:
Enviar um comentário