sábado, 27 de fevereiro de 2016

CRÓNICA DE LEONOR PINHÃO


Título:
O que é um lagarto?
Texto:

A propósito das táticas ultra defensivas de algumas equipas, o treinador do Sporting disse um dia destes que o único “autocarro” que conhece é “o que vai para Carnide”. E fez sucesso. Também o presidente do Sporting, querendo em tempos explicar a deserção de uma mão-cheia de anunciados reforços, disse que Mitroglou “foi para o Carnide” porque “aquilo fica em Carnide”. Outro sucesso, não “aquilo” mas Carnide. Nem sequer é uma originalidade portuguesa a arte do desprimor para com o adversário. Acontece por todo o mundo civilizado os adeptos gostarem de tratar os rivais por epítetos que supostamente os menorizam.
Ora não há razão alguma para que os benfiquistas se arrepelem com o uso do Carnide. Nem o seu estádio, nem a sua fundação, nem a sua sede alguma vez foram em Carnide uma freguesia de Lisboa igual em dignidade às demais e que até tem viscondes desde o século XIX. É que em 1805, por decisão do nosso rei D. Luís foi outorgado o título de 1.º visconde de Carnide a José Street de Arriaga e Cunha que, de certeza, nem sabia o que era uma bola de futebol.
Falando nestes aspetos da nossa nobreza, é justo relembrar que também o estádio do Sporting, na verdade, não fica em Alvalade mas no Lumiar. Entre estes dois bairros vizinhos ainda há a Torre do Tombo e o Hospital Júlio de Matos, lugares sem qualquer espécie de dúvida com as suas tradições. Mas, com toda a franqueza, desde quando é que uma pequeníssima imprecisão geográfica pode ofender alguém? Se, por exemplo, na opinião do treinador do Sporting, a Sibéria fica mais longe do que a China trata-se apenas de uma questão de perspetiva e não se fala mais disso.
Também os sportinguistas não se deveriam ofender quando os rivais os chamam de lagartos. Na história e na cultura do nosso futebol, o que é um lagarto?
É o nome que o próprio Sporting atribuiu aos títulos de subscrição – “nunca inferiores a 10 escudos” – na campanha de recolha de fundos para a construção do velho Estádio José de Alvalade no início da década de 50.
“Já se começa a designar por toda a parte os títulos de subscrição por LAGARTOS” – lia-se no jornal oficial do clube em Fevereiro de 1951. “Congratulamo-nos com o sucedido” – seguia a notícia – “e felicitamos todos os lagartos por preferirem os LAGARTOS o que significa que o nosso alvitre foi bem acolhido”.
E não foi mesmo?
Texto de Leonor Pinhão in Record

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