Depois, com o tempo, nasceram os clubes e um desenvolvimento imparável.
Durante muitos anos, as competições locais e internacionais foram os pontos máximos do encantamento e do envolvimento de gerações.
Surgiram ídolos que se “libertaram da lei da morte” e proezas que pulverizam tempos e distâncias: criam-se lendas, partilhas de momentos com história.
Com naturalidade englobam-se novos conhecimentos (ciência, tecnologia, metodologia, novos materiais), novos interesses e especialistas.
De repente, num surto quase epidémico, como “cogumelos espontâneos”, o jogo passou a ser um campo para criar riquezas, das mais variadas formas. Os milhões tornaram-se motivação sem limites.
A criação de fontes de receitas pulverizou-se num esquema piramidal, sem regras nem princípios, mas com fins definidos: lucros, dinheiro, muito dinheiro… e vítimas colaterais.
O talento cedeu o lugar aos activos. Sobrevalorizam-se jovens, precoce e perigosamente, para criar bolsas ininterruptas de recrutamento e de criação de utopias, muitas vezes trágicas mas na maioria silenciadas pelos esquecimentos intencionais.
Engenharias financeiras, artificiais, mas muito “criativas”, chegam em força, multiplicam-se sem nunca se entender onde tudo começa e acaba, com alguns, que não entram em campo, a ganharem muitos milhões. Compram-se direitos sobre jogadores, clubes e estádios, vendem-se participações variadas, multiplicam-se clubes e rotas por onde viajam jogadores, trocam-se posições e, nesses percursos de vaivém, há sempre campeões de lucros “pornográficos” que criam novos jogos: esconde-esconde do dinheiro.
Futebol engrossa contas bancárias de investidores de sucesso e da descoberta de paraísos, particularmente fiscais… A quem servem e como continuam com estrondoso êxito a permitir a evasão fiscal?
Estes galopantes estratagemas (muitas vezes criados por quem nunca calçou chuteiras ou nunca entendeu o jogo) têm destruído a essência do jogo, têm desperdiçado e usado jovens talentos e criado mitos com pés de barro, numa alienante venda de ilusões, com resultados dramáticos.
Progressivamente os interesses (do investimento e do jogo) passam a ser contrários, adversários, aprisionando o jogo e procurando impor uma agenda escondida: alterações constantes de leis de jogo, implantação de critérios e ponderações para salvaguarda das equipas mais ricas, mais poderosas, negócios cada vez mais estratosféricos, estranhas escolhas de locais para Mundiais, casos contínuos de corrupção e muitos mais pormenores que, no fundo da linha, mantêm o sonho nunca abandonado da criação da Superliga europeia, como expoente máximo do negócio mas também como pandemia que pode matar um património da humanidade - o futebol-jogo.
No futebol-jogo anseia-se por atingir patamares sempre mais elevados, onde todos se procuram distanciar do fundo.
No futebol-negócio o Fundo é outro campeonato, mesmo que eventualmente conduza ao caos e perversidade.
“O futebol, como os estouvados de boa família, perde a sensibilidade e a vergonha e teima em viver acima das suas posses”. (in Jerry Silva, “Futebol: Desafios e Rumos para vencer” 2016,136)
O conhecimento é sempre um percurso imparável. A utilização desse conhecimento potencia a diversidade e a criatividade. O futebol evolui imparavelmente graças ao contributo dos talentos e da genialidade dos jogadores bem como à competência e inovação dos treinadores.
Dentro das 4 linhas assistimos a várias criações, a descobertas, a sinfonias orquestradas.
Essa realidade promove um crescimento sustentado do número de praticantes, preferencialmente de jovens, mantendo o jogo como espaço de entendimento global.
Mas são muitas e diversas as influências do economicismo fundamentalista que se abateu sobre o futebol mundial.
A recente detenção do Presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Ángel Villar que ocupa o cargo desde 1988 e também membro da UEFA e vice-presidente da FIFA, por suspeita de corrupção, é um sinal preocupante dos riscos de contágio do negócio para o jogo.
Os investidores conseguem criar “vias-sacras” labirínticas por onde circulam direitos, investimentos, vendas e lucros, curiosamente penalizando sempre o elo mais fraco – o jogador (excepção para os craques galácticos).
“… fica a conhecer-se a composição complexa dos direitos económicos do jogador: 30% do Cruzeiro, 20% nas mãos dos supermercados BH, 20% do fundo de investimento Futinvest, 10% da Agremiação Desportiva Ovel (onde Lucas Silva começou a jogar), 10% do banco BMG, que também é patrocinador do clube de Belo Horizonte e, por fim, 10% do próprio jogador… (in Pippo Russo, “A Orgia do Poder”, 2017; 264)
E porque o negócio, sem regras nem controlo sistemático, pode criar riscos acrescidos e condições para uma autêntica feira franca, uma espécie de bilderberguização do futebol, basta analisar os documentos do Fotball Leaks vindos a público, para se perceber que há muitos “fundos sem fundo”.
Tiago Carrasco, no seu trabalho “Apostas Viciadas” (in A Revista do Expresso, 15.07.2017) analisa também o relatório da FederBet sobre eventual manipulação de apostas, jogos fantasmas e viciação de resultados no futebol nacional, particularmente em divisões secundárias, nas quais se referem investidores (da China, de Singapura e não só) dirigentes, jogadores e treinadores, bem como os efeitos nefastos para vários clubes, alguns com passado histórico no futebol português.
O Futebol (o desporto em geral) permite alcançar dimensões únicas, motivantes, que reforçam a confiança, desde que não se permita que o futuro seja hipotecado e “enjaulado” por interesses alheios e contrários ao seu desenvolvimento.
Assim e tendo como exemplo a evitar os génios da pintura que, em vida, não venderam as suas telas e passaram por extremas provações, desejamos que as entidades que tutelam o futebol em particular e o desporto em geral, saibam sempre cumprir com lealdade e competência as funções que lhes foram confiadas.
Fundo sem fundo? Não, obrigado!"
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