Não admira a complacência bíblica perante a religiosidade posta em campo por Felipe.
Tal como um senhor doutor juiz da comarca do Porto (aquele que conquistou celebridade internacional graças à dimensão bíblica de uma sua sentença sobre questões familiares de pancadaria de trazer por casa), também um outro juiz do Porto, não da comarca mas da Associação de Futebol da mesma cidade, se viu no decorrer desta semana em altíssimos apuros teológicos quando foi chamado à prática da justiça em pleno estádio do Dragão, na ocorrência de um animadíssimo jogo entre os donos da casa e os seus vizinhos do Leixões, a contar para aquela coisa diabólica chamada Taça da Liga. Para quem não sabe, a Taça da Liga é a mais recente prova oficial do calendário da bola nacional e vai este ano para a sua 10ª edição. Significa que está, precisamente neste momento, a sair da infância e a entrar na adolescência. O FC Porto já esteve presente em duas finais mas não ganhou nenhuma, tendo vindo a ganhar apenas uma enorme aversão ideológica à dita competição. O próprio presidente do clube – a quem chamavam "o Papa", noutros tempos – excomungou a Taça da Liga numa noite inesquecível de 2012, depois de a sua equipa ser eliminada pelo Benfica numa meia-final disputada na Luz e excomungou-a com palavras terríveis: "Desta já estamos livres!", disse Pinto da Costa. E disse-o com tanta ênfase que, de facto, até parece que não podia ter encontrado melhor matéria para pôr à prova o atributo da sua divina infalibilidade. Os críticos, sempre mordazes, e o público em geral têm feito desta alergia do FC Porto à Taça da Liga um bicho-de-sete-cabeças quando, na realidade, se trata apenas de mais uma coisa muito comezinha do nosso futebol. Tome-se o exemplo da Taça de Portugal, hoje considerada a prova- -rainha, que arrancou em 1939 e que o FC Porto só viria a conquistar pela 1ª vez em 1956, depois de 17 anos a ver-se livre dela. Enfim, o que lá vai, lá vai… Voltemos ao juiz da Associação de Futebol do Porto que esteve no Dragão na terça-feira passada. Chama-se Vasco Santos e foi acusado recentemente de ser "um padre" ao serviço da Catedral da Luz. Não admira, portanto, a sua complacência bíblica – "haveremos de pisar os que se levantam contra nós!" (Salmos 44) – perante a aprazível religiosidade posta em campo pelo jogador Felipe, do FC Porto, que vem desde o princípio da época exibindo um fervor ímpar, jogo após jogo, e que só por milagre lá vai conseguindo ficar em campo até ao fim dos 90’ de cada serviço. No desafio com o Leixões – que, por sinal, terminou empatado 0-0 –, o bom do Felipe lá fez o que quis dos adversários – "eu os derrubarei" (Salmos 89) – e voltou a sair em glória. Isto não é para quem quer, é para quem pode. Cinco vezes o melhor do mundo CR7, a alcunha que mais soa a fórmula química do que a poesia Em 2013, quando regressou ao Chelsea depois de um périplo por Milão e Madrid, eterno provocador, entendeu José Mourinho que era o momento para ‘picar’ Cristiano Ronaldo, com quem não terá tido uma relação pacífica no Real. Numa entrevista à ESPN, o treinador português, recordando a sua passagem por Barcelona como adjunto de Bobby Robson e de Van Gaal, atirou: "Aos 30 anos treinei Ronaldo, não este, mas o verdadeiro…" sendo que o ‘verdadeiro’ era o brasileiro Ronaldo, o Fenómeno, e o ‘este’ era o português. Assistindo esta semana à entrega, pela quinta vez, do prémio de melhor jogador do mundo ao capitão do Real Madrid e da Seleção portuguesa, esteve o ‘verdadeiro’ Ronaldo na companhia de um argentino a quem chamaram ‘a mão de Deus’. Esta dupla duplamente de peso prestou homenagem a CR7, alcunha que mais soa a fórmula química do que a poesia, o que não deixa de ser apropriado. CR7 é o mais extraordinário produto que o laboratório do futebol alguma vez produziu.
Leonor Pinhão, in Correio da Manhã
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