quinta-feira, 26 de outubro de 2017

INTERROGAÇÕES E RETICÊNCIAS


"Também eu não me revejo em atitudes, palavras e pseudomandatos que acabaram por estar na origem da actual situação.

Semana europeia negra
Mais tarde ou mais cedo, a realidade choca com a aparência. O futebol não foge à regra. As melhores equipas nacionais exportam, com indiscutível resultado financeiro, jogadores de eleição. Para o colmatar, e dentro das suas possibilidades, apostam na formação de jovens talentosos e, sobretudo, vão procurar lá fora sucedâneos mais em conta financeira, porque os melhores vão direitinhos para os tubarões europeus. Esta tendência tende a acentuar-se e, com ela, o aprofundamento da distância quando se está perante provas europeias de clubes. Por isso, não admira que, a partir deste ano, só o campeão vá, sem condições, à Champions. Esta época, temos ainda os três grandes nesta competição, mas com que resultados? Em nove jogos, sete derrotas. O campeão Benfica com zero pontos. Na Liga Europa há até a fase da ilusão dos clubes que lutam, com inusitado entusiasmo, por atingirem um dito lugar europeu que, porém, não passa de um prémio que dá direito a uma ou duas pré-eliminatórias de escasso interesse desportivo e de nulo interesse financeiro.
Esta última ronda foi o desastre perfeito: cinco equipas, que até são as cinco melhores de Portugal (Benfica, Porto, Sporting, Braga e Vitória de Guimarães) e cinco derrotas. Mais uma contribuição negativa para um ranking em movimento uniformemente descendente..
Dir-se-á que tal cenário escuro não é, felizmente, o da Selecção Nacional. É verdade, somos campeões da Europa e estamos num notável 3.º lugar na seriação dos países. Mas, atente-se nos jogadores que nos representam. São escassíssimos os que ainda por cá estão. No Europeu do ano passado, entre 11 jogadores titulares, só Rui Patrício e William Carvalho ainda jogam em Portugal. No jogo com a Suíça que nos apurou para a Rússia, além do guarda-redes, houve Danilo/William e Eliseu, na falta do titularíssimo Raphael Guerreiro.

Vale tudo
Salvo situações dilemáticas em que estão em equação valores de semelhante e fundamental peso (por exemplo, matar em legítima defesa), fins eticamente legítimos não justificam meios eticamente ilegítimos. Kant haveria de definir o que classificou como o imperativo categórico, ou seja, o dever dos deveres: «age unicamente segundo a máxima que te leva a querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei de tal modo que, se os papéis forem invertidos, as partes em questão estariam sempre de acordo e a tua conduta seria universalmente válida».
Vem isto a propósito do chamado caso dos mails imputado ao Sport Lisboa e Benfica. Como apenas sei do que leio na comunicação social, que reproduz acriticamente os dizeres de um personagem televisivo janota (perdão, jota), e estando em curso uma investigação judiciária, como sócio do clube aguardei com serenidade os resultados de tais procedimentos. Quero acreditar nas declarações públicas e oficiais do meu clube, e na desmontagem de práticas repugnantes que estão subjacentes a este caso. Mas, como bem disse o Dr. João Correia, advogado por parte do Benfica, se se provar alguma prática corruptiva e se o clube tiver que ser punido pois que o seja, porque nenhuma instituição está acima da lei.
No meio deste imbróglio, acontece que é preciso ter muito despudor para certos artistas fazerem o papel angélico e virginal de provedores do interesse público e da verdade desportiva, com uma inusitada amnésia dos fartos anos em que os métodos usados era do piorio. Agora, saltando etapas, esfolam-se por estabelecer nexos de causalidade labirínticos. Na altura - em que ainda não havia mails - as «conversas», a «fruta», a «hospitalidade», as pressões, as insinuações não terão sequer existido segundo a mente de tão extremosos paladinos da verdade e da moral. E porquê? Não porque, por exemplo, escutas não tivessem existido (estão-no aí irreversivelmente para que a memória ou falta dela não atraiçoe a verdade), mas porque nos dizem que, por ilegais, não foram validadas. Compreendo, no plano estritamente legal, tal argumentação, mas isso não faz vencimento sobre o que, de facto e indesmentivelmente, aconteceu. Então, argumentavam que os fins jamais justificariam os meios (escutas), agora, desavergonhadamente, os meios já se justificam e tudo parece valer: espionagem informática, violação inconstitucional de correspondência, manhas de truncagens documentais, etc. Eu percebo: parece que o busílis está nos mails. Por exemplo, o actual director de futebol do FCP, no jogo em Braga, há meses, ameaçou, de viva voz, o árbitro Tiago Antunes dizendo (como consta nos autos e ficou provado): «Nós sabíamos o que vinhas tu para aqui fazer, nós vamos conversar mais tarde, a tua carreira vai ser curta» (e não é que foi mesmo despromovido, passado pouco tempo!). Mas, para os arautos da decência, não houve mails, logo, tudo bem. E o que dizer das ameaças a casas, estabelecimentos de árbitros e até de familiares ou a invasão do centro de treinos dos árbitros na Maia, com ou sem caneladas? Respondem que terão sido energúmenos sem clube (espantoso!) que, evidentemente, não usaram mails. E o que dizer de um outro clube em que um seu na altura vice-presidente alegadamente depositou dinheiro na conta de um árbitro na véspera de um jogo? Sim, vice-presidente, coisa pouca (e sem mails...). Oh coerência, por onde andas?
Se os peões desta tramóia apenas pretendessem, como lhes sai da boca, que a justiça funcione e verdade prevaleça, porque não entregaram logo todo o material às autoridades judiciárias e, em vez disso, o debitem semanalmente em regime de gota-a-gota cada vez mais insonso, confuso e decremental=
Não nego que toda esta situação incomoda os benfiquistas, que sempre olharam para o seu clube como uma instituição ecléctica e ética. Acredito que no fim de tudo isto, o resultado para os acusa-pilatos seja pífio. Mas também tenho consciência de que alguns custos reputados existirão. E para estes há que tirar ilações e corrigir caminhos. O primeiro e o mais decisivo dos quais é não deixar que a história de orgulho, responsabilidade, valores e sucesso de um clube de 113 anos seja toldada por uns tantos e agem em nome do mesmo numa conduta informal e não escrutinada, que jamais foi sufragada pelos donos do clube, os seus sócios. Como corajosa e lucidamente afirmou o exemplar benfiquista António Simões, também eu me revejo em atitudes, palavras e pseudomandatos que acabaram por estar na origem da actual situação.

Contraluz
- Número: 23 anos, 9 meses e 14 dias.
Eis a diferença de idades entre os dois guarda-redes do Desportivo das Aves-Benfica. De um lado, Quim (que grande exibição!) prestes a completar 42 anos e já o jogador mais velho a jogar num campeonato nacional; no outro, Svilar com umas semanas depois de chegar aos 18 anos e agora o guardião mais novo a estrear-se na Champions. De um lado, um ex-campeão do Benfica, do outro, um futuro campeão na Luz.
-Inevitabilidade: as chicotadas ditas psicológicas.
Tem cabido a fava ao Benfica que já apanhou duas equipas arejadas pela tal mezinha psicológica. Primeiro, o Boavista, com um derrota. Agora, o D. Aves, com uma vitória. Em ambos os casos, boas prestações dos chicoteados. Quando li a chicotada no Estoril, logo pensei, outra vez o Benfica.
- Evitabilidade: o desrespeito pelo telespectador.
Falo da BTV que, no passado sábado, estando a transmitir em directo o Benfica-Porto em basquetebol com um resultado disputadíssimo a 60 segundos do fim, resolveu passá-la para um mini-rectângulo do ecrã (onde nada se conseguia ver), para transmitir os primeiros momentos da conferência da antevisão do futebol, que bem poderia ter sido atrasado 2 ou 3 minutos. Foi um momento miserável de antieclectismo. Será mais importante uma conversa sobre o totalitário futebol do que os momentos finais do jogo entre as duas melhores equipas de basquetebol?
- Palavra: pogonologia.
Assim se chama o estudo da barba e dos seus efeitos físicos, psicológicos, sexuais, entre outros. Depois da comparação entre o barbudo José Sá e o imberbe Svilar, Sérgio Conceição é, definitivamente, um conceituado pogonologista."

Bagão Félix, in A Bola

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