sexta-feira, 5 de abril de 2019

SABE QUE É? O FILHO DA GUERRA... - SEFEROVIC



"A fuga da Bósnia e a bola dada às meninas; Os 5 francos por cada golo e a noite na prisão em San Sebastián

1. Ao aperceberem-se de que a guerra nos Balcãs tomara, espicaçada, Sanski Most - Hamza e Sefika dela fugiram, a galope. Deixando a Bósnia, aventuraram-se à Suíça. Hamza empregou-se numa metalúrgica, Sefika numa fábrica de têxteis. Foi por lá, por Sursee, no cantão de Lucerna, à sombra dos Alpes, que, por Fevereiro de 1992, ele, o filho, lhes nasceu.
2. A ele, ao filho, desatou Hamza a levá-lo para o campo da escola perto de casa: minutos a fio, centrava-lhe bolas para que as rematasse à baliza deserta. Aos sete anos, achando-o pronto para o desafio, foi pô-lo no FC Sursee - e não tardou que jogo contra o Malters, o ganhasse por 22-0, com 16 golos marcados por ele.
3. (Irene Brechbuhl, a sua professora primária, revelou-o: «Tornou-se muito popular não apenas ser capaz de driblar todos os outros, mas por fazer o que mais nenhum fazia: fintando toda a gente, passava a bola às meninas, deixava-as marcar golos que poderia marcar»). Ao chegar ao FC Sursse, o pai lançara a acordo com ele: por cada golo dava-lhe cinco francos. Num jogo em que já ia em oito, André Huber, o seu treinador, contou-o: «Para poupar dinheiro ao Hamza, tirei-o e ele saio do campo em raiva, porque queria continuar a marcar, não pelo dinheiro, mas pelo prazer que nunca escondia: o prazer do golo».
4. Aos 12 anos foi para o FC Luzem - e dois depois para o Grasshoppers. Na parede do quarto tinha a iluminar-lhe o destino, poster de Cristiano Ronaldo - por entre o Giovane Elber, o seu primeiro ídolo, e o Ibrahimovic. Chegou 2009, o Mundial Sub 17 na Nigéria - e com Neymar, Gotze, Isco e Morata por lá, melhor marcador foi ele, os seus golos fizeram da Suíça a campeã.
5. A Fiorentina contratou-o, só uma vez o usou na Série A. Emprestaram-no ao Neuchatel Xamax, ao Lecce e ao Novara (onde se cruzou com Bruno Fernandes) - e, por dois milhões de euros, a Real Sociedad contratou-o.
6. Após emotiva vitória sobre o Barcelona, com ele em brilharete, foi festejar o 22.º aniversário para a Parte Vieja de San Sebastián - e, num ápice, soltou-se o «escândalo»: a Guarda Municipal apanhou-o em «discussão quente» com a namorada, e vendo-o a «dar-lhe empurrão»  o agente achou que era de «violência de género» - e arrastou-os ambos para a esquadra. Detidos ficaram essa noite. No dia seguinte tribunal libertou-os - e 10 meses depois absolveram-no. (Antes tivera escaramuça com a claque - por, após golo ao Osasuna, mandar calar o Anoeta com gestos que os adeptos acharam «provocador»...)
7. Ao cabo de uma época na Real Sociedad, transferiu-se para o Eintracht Frankfurt (por 2 milhões de euros, os 2 milhões de euros que os bascos tinham pago por ele). Podia ter escolhido jogar pela Bósnia, escolheu jogar pela Suíça - e assim foi ao Mundial 2014. (No País Basco dissera-o: «Nasci na Suíça, na Suíça me criei, mas o meu sangue é bósnio» - e para não perder a relação sanguínea e sentimental passou a ajudar o Podgrmec, clube de Sanski Most, com dinheiro e equipamentos).
8. No Verão de 2016, apanharam-se rumores que Jorge Jesus o queria no Sporting. O que logo se viu foi que sim: que Bruno de Carvalho foi buscar avançado ao Eintracht Frankfurt, não ele, porém, mas Luc Castaignos - e, meses depois, apareceu o Benfica a contratá-lo a custo zero. Ao chegar à Luz da equipa que perdera a final da Taça da Alemanha para o Dortmund houve quem duvidasse que pudesse ser o que se dizia que vinha para ser: o substituto de Mitroglou por, nessa época, só ter feito três golos em 25 jogos na Bundesliga - e ele avisou: «Quero ganhar títulos com esta camisola. Gosto de marcar golos e de dar golos a marcar, mas o que mais quero é ganhar jogos...»
9. Depois de arranque fulgurante, caiu em penumbra. Rui Vitória atirou-o para lista de dispensas, não aceitou o destino: «Não importa onde esteja ou o que faça, nunca vou desistir. Mordo-me se for preciso. Só procuro a minha sorte noutro lado se não existirem oportunidades». Lesões de Castillo, Ferreyra e Jonas puseram-no de novo na ribalta - e a partir daí tem sido o que se sabe (e não só no Benfica, pois, foi com o seu hat-trick na «noite de sonho dos 5-2» que a Suíça se apurou para a Final Four da Liga das Nações...)"

António Simões, in A Bola

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