"Golo! - a alegria do jogo, milhares nas bancadas a festejar, um cacho de jogadores numa comunhão da festa. E, de repente, o árbitro leva a mão à orelha, aconchega o auricular, manda esperar. Faz-se silêncio no estádio, os jogadores, que vibravam com o golo, tornam-se figuras incrédulas. O tempo pára e, com ele, interrompem-se as emoções, como naquele anúncio televisivo que avisa: «As emoções seguem dentro de momentos».
Depois, o árbitro faz um imenso quadrado imaginário, ergue um dos braços e, com o outro, aponta para o falta, por fora de jogo. Há futebolistas com as mãos na cabeça, público irritado, até mesmo os adeptos do clube que beneficia da decisão sentem-se um pouco envergonhados. Nas televisões do país, o comentador assinala o que vê em legenda abaixo: «Estava fora de jogo, por 20 milímetros». Talvez a ponta do pé, a culpa de calçar 45, quando o defesa só calça 42. E nem fora ele a marcar o golo. Aliás, depois dele ter tocado na bola, muito ainda se jogou. Parecia um lance sem mácula, impossível de anular. Ainda por cima, um belo golo, tecnicamente perfeito, aquele remate em arco, ao ângulo. Mas não valeu, por 20 milímetros. Há quem ponha em causa a linha, que não terá sido feita no momento exacto do contacto com a bola. Os especialistas falam em frames. Décimos de segundo e cada um equivale a uma diferença de trinta centímetros. Mas não há nada a fazer. O árbitro lava as mãos como Pilatos e defende-se com a decisão tecnológica. O futebol, visto pelam óptica da tecnologia, assusta, porque, para o espectador comum, a tecnologia é estúpida. Não compreende o jogo. É, pois, urgente repensá-la melhor."
Vítor Serpa, in A Bola
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