segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

SOBRE O PESO E O SILÊNCIO


"Cuidado: uma caixa vazia  e uma caixa completamente cheia podem produzir o mesmo tipo de silêncio. Não os confundas, aos dois silêncios

Dois tempos de silêncio
1. - A caixa menos cheia é a que mais chocalha.
- Que síntese, senhor.
- Pois. Experiente e ouça por si mesmo.
- Tem uma caixa?
- Tome, aqui tem.
- Uma caixa com poucas moedas lá dentro.
- Abane e veja: faz uma barulheira.
- Sim, que chinfrineira!
- Uma caixa com muitas moedas, vossa Excelência abana e não faz barulho nenhum.
- Pois, calculo que sim. Nunca tive o privilégio se segurar nesse silêncio valiosa, por assim dizer. Caixas nas minhas mãos, só vazias ou quase.
- Moral da história: somos enganados pelo ouvido.
- Isso.
- Mas pelo peso não.
- Exactamente, se vossa Excelência levar a caixa na mão saberá qual a mais pesada e, portanto, a mais valiosa.
- Mas à distância podes ser enganado.
- Pois. A caixa menos cheia é a que mais chocalha.
- Isso. Sabe como interpreto essa frase?
- Diga.
- Quem dá muito nas vistas e fala muito...
- Sim?
- .... é porque precisa de se anunciar.
- O mais valioso é o mais calado. É isso?
- Isso mesmo, uma hipótese de interpretação bem sensata.
- Pensar, portanto, numa cabeça e no cérebro lá dentro.
- Uma forma de caixa, a cabeça.
- A caixa mais valiosa do ser humano.
- Adaptar, pois, o provérbio.
- Como?
- Assim: O cérebro menos cheio é o que mais chocalha.
- Isso, isso mesmo. Mas, diga-me Excelência, como é que um cérebro chocalha?
- Por exemplo, falando: Blá, blá, blá.
- Muito barulho por nada.
- Exacto. Eu diria - o cérebro menos cheio é o que mais chocalha.
- Parece que tem muito coisa lá dentro porque fala muito, mas quando se abre a caixa, uuu, que desilusão.
- Cérebro cheio, cérebro quase cheio, cérebro meio vazio, cérebro quase vazio e nada, nadinha a assinalar dentro do cérebro.
- Categorias da caixa cerebral dos sujeitos humanos.
- Exactamente, Excelência.

Um perigo e o peso
2. - Mas há um perigo.
- Sim? Qual?
- Repare, pense numa caixa toda cheia de moedas, numa caixa completamente cheia de algo valioso, sem o mínimo de espaço vazio.
- Sim.
- E pense agora numa caixa completamente vazia. Nada, nem um grama de algo valioso lá dentro. Vazia.
- Sim.
- E abane as duas.
- Sim.
- Verá que das duas não em chocalho algum. Silêncio nas duas, silêncio completo.
- Ou seja...?
- Ou seja, cuidado: uma caixa vazia e uma caixa completamente cheia podem produzir o mesmo tipo de silêncio. Não os confundas, aos dois silêncios. São dois silêncios, mas não são dois silêncios iguais.
- Uma caixa pesada e cheia, e uma caixa vazia fazem o mesmo som: nenhum. Não é uma descoberta, mas é importante lembrar isso.
- Pois. Há um silêncio com peso, e há um silêncio sem peso nenhum.
- Isso mesmo.
- É importante distingui-los claramente, Excelência.
- Há aqueles que se calam, mas têm muita coisa lá dentro. E há aqueles que se calam, mas não têm nada lá dentro.
- De fora, parece o mesmo. Silêncio. Mas lá dentro, dois mundos opostos.
- Quantas pessoas já foram enganadas pelo silêncio dos outros. Confundido um silêncio vazio com um cheio.
- Ui, muitas mesmo!
- De um humano no geral; de um treinador ou de um dirigente. Única forma de saberes o valor do que está dentro de uma caixa craniana: medires o peso das palavras que dali saem.
- Isso. O peso, e peso exterior, e não o silêncio ou o chocalho."

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

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