"Ao longo da minha carreira de treinador profissional de basquetebol, fui ajudado a reflectir sobre o meu comportamento pelo que designámos então ser o “treinador do treinador”. Um apoio do prof. Dr. José Miguez, psicólogo de organizações e então professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Como responsabilidade desse “treinador do treinador”, observar treinos, jogos, reuniões, acompanhar viagens da equipa, questionando-me posteriormente sobre a eficácia a minha liderança. Um exemplo deste tipo de apoio, um texto que me entregou no início da disputa de uma das finais do play-off onde a equipa que eu treinava, o F. C. Porto, acabou por se sagrar campeão nacional.
1. A principal função do treinador é saber gerir paradoxos em situações com um grau de imprevisibilidade terrível. Não existem duas situações iguais, o que funciona agora optimamente, pode ser um “buraco” no momento seguinte.
A história desta final do play-off vai ter muito deste cenário de “parada-resposta”, em que as fases positivas no interior dos jogos e de jogo para jogo, introduzem também elementos negativos que importa saber gerir.
2. As análises que “a posteriori” possamos fazer sobre os factos são potencialmente falsas e geradoras de enviesamentos na delineação das estratégias, pois têm tendência a “fechar-nos” o campo de análise e a perdermos capacidades de intervenção, “bloqueando-nos” quando a situação futura “cai fora” do "mundo que construímos. Ao centrar a estratégia seguinte da equipa, nas situações que funcionaram bem no jogo anterior, correm-se riscos enormes, porque não só os jogadores do jogo anterior “não são os mesmos” do próximo jogo, como também a equipa adversária vai naturalmente preparar-se para “impedir” o que funcionou bem na outra equipa.
3. O próximo jogo será certamente, pela facilidade e/ou dificuldade, diferente do previsto. Prepara-te assim e aos jogadores para serem capazes de gerir o francamente imprevisível. Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador. Mais do que estratégias globais tipo “quartel-general numa guerra clássica”, importa preparar “mini-soluções” (instrumentos) para serem interpretados e utilizados pelos jogadores, numa vasta panóplia de soluções versus soluções possíveis, tipo “grupo de combate numa guerra de guerrilha.
Quando antes do jogo da final li este texto, estava longe de antever quanto o meu “treinador do treinador” tinha razão. As «paradas e respostas» sucederam-se e culminaram, no quarto jogo, com o lance que decidiu a final a nosso favor do modo mais «imprevisível» possível!
A quatro segundos do final do jogo, recuperamos a posse da bola com o jogo empatado (o adversário podia ter ganho o jogo na posse de bola que lhe pertenceu a 24 segundos do final). Uma recuperação da posse da bola que só foi possível porque, na preparação feita antes do jogo, tínhamos treinado a solução defensiva adequada para o caso daquela situação acontecer. Mas, a partir daí, nada aconteceu como previsto. Durante o desconto de tempo solicitado, após a recuperação da posse da bola, decidimos o que fazer nos quatro segundos que restavam. Mas, ao retomarmos o jogo, foi de imediato visível que o adversário antecipara as nossas intenções. E ali estava o treinador, impotente, «entregue» à capacidade e criatividade individual do jogador com bola, confirmando quanto o meu «treinador do treinador» tinha razão, quando escreveu.
Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador!
Um outro exemplo que julgo complementar do que acabo de apresentar, tem a ver com a reprodução de uma passagem de uma entrevista à Harvard Business Review de sir Alex Fergusson, o famoso treinador escocês de futebol profissional: Nunca permitimos uma má sessão de treino. Aquilo que vemos nos treinos manifesta-se no campo de jogo. Assim, cada sessão de treino tinha a ver com qualidade. Não admitíamos faltas de concentração. Tratava-se de intensidade, concentração, velocidade, um elevado nível de desempenho. Eu tinha de elevar as expectativas dos jogadores. Estes nunca podiam ceder. Eu dizia-lhes sempre: “Se cederes uma vez, cedes duas”. E a minha ética de trabalho e a minha energia parecem ter-se espalhado por todo o clube. Eu era o primeiro a chegar de manhã. Nos últimos anos, muito do meu pessoal já lá estava quando eu chegava, às sete da manhã. Acho que eles compreenderam por que razão eu chegava cedo — sabiam que havia um trabalho a fazer. Havia aquele sentimento, se ele é capaz, eu também sou. Dizia sempre à minha equipa que trabalhar arduamente toda a vida é um talento. Mas esperava ainda mais das estrelas da equipa. Esperava que trabalhassem ainda mais arduamente. Dizia-lhes: vocês têm de mostrar que são a nata dos jogadores. E era o que eles faziam. É por isso que são estrelas — estão preparados para trabalhar mais. Superestrelas com egos não são o problema que as pessoas podem pensar. Eles precisam de ser vencedores, porque isso lhes massaja os egos, e farão o que for necessário para vencer. Costumava ver o [Cristiano] Ronaldo [um dos melhores avançados do mundo, que joga agora no Real Madrid], Beckham, Giggs, Scholes e outros a treinar durante horas. Tinha de os mandar para dentro. Batia na janela e dizia-lhes “Temos um jogo no sábado!”. Mas eles queriam tempo para treinar. Percebiam que ser jogador do Manchester United não é um trabalho fácil.
Dois exemplos esclarecedores do modo como o “treino do treinador” necessita ser encarado e praticado. Confirmando que os comportamentos podem ser trabalhados em determinadas situações (treinos) desde que estas não se descolem ou percam de vista a realidade (a competição). Reforçando a importância da dimensão intersubjetiva do comportamento, ao mostrar que o exemplo de quem se respeita contribui para a acção.
Identificando uma verdadeira dimensão emocional de partilha e incentivo, fundamental quando cada um individualmente compreende que os objectivos comuns são sempre “maiores” do que os desejos particulares."
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