"O terramoto que destruiu Skopje no final de Julho de 1963 fez erguer pela Europa uma onda de solidariedade. A UEFA levou a Belgrado uma selecção com três portugueses - Eusébio, José Augusto e Simões - para disputar no ano seguinte, um jogo a favor das vítimas. Eusébio marcou quatro golos.
Perdido numa leitura de esplanada à beira-mar, reencontrei-me com algumas histórias de Eusébio contadas por ele próprio no livro Meu Nome É Eusébio. Nome que abalou o mundo do seu tempo, porque Eusébio é um daqueles nomes que ficam a soar para sempre nas campanhas da memória. E deparei-me com o terrível terremoto de Skopje, no dia 26 de Julho de 1963, na altura Jugoslávia, hoje Macedónia do Sul. A violência com que a terra tremeu foi devastadora, atingiu 6,9 na escala de Richter, matou mais de mil pessoas, deixou 3 mil estropiados e mais de 120 mil sem tecto para se abrigarem. Skopje não voltou a ser a mesma. As cicatrizes podem ver-se ainda hoje. O mundo juntou-se numa enorme campanha de solidariedade, e o futebol não ficou à margem dessa onda.
Em Setembro de 1964, a UEFA resolveu levar até Belgrado um enorme conjunto de estrelas, formando uma selecção que defrontaria, no Estádio Jugoslenska Narodna Armidja, o estádio militar, a equipa nacional da Jugoslávia. Os mais de 20 mil bilhetes vendidos, que esgotaram a capacidade do recinto, ofereceram mais uma possibilidade para se poder fazer chegar às vítimas do terremoto o mínimo de confortos. O espectáculo seria fervilhante. Quem assistiu à exibição de Eusébio, nesse dia, nunca mais deixaria se saber pronunciar o seu nome.
Golos e golos e golos
A grande figura do futebol jugoslavo de então era Josip Skoblar, avançado do OFK Belgrado. Natural de Privlaka, na região de Zadar, na Croácia, Skoblar nasceu no dia 12 de Março de 1941. Apenas ligeiramente mais velho do que Eusébio: um ano e dois meses. Jogava tanto sobre a direita como sobre a esquerda, tinha uma técnica notável e um remate potente e colocado, não parava quieto na frente de ataque, servia os companheiros, mas não deixava, jamais, de ser o protagonista dos espectáculos em que participava. Nessa noite, Eusébio roubou-lhe o palco.
Havia mais dois portugueses em Belgrado: José Augusto e António Simões. E os checos Svatopluk Pluskal e Josef Masapoust, do grande Dukla de Praga; o alemão Karl-Heinz Schnellinger, da Roma; o inevitável guarda-redes Lev Yashin, do Dìnamo de Moscovo; o húngaro Kálman Mészóly, do Vasas de Budapeste; e ainda mais um alemão, Uwe Seeler, do Hamburgo, que jogava lado a lado com Eusébio na frente de ataque da selecção da UEFA escolhida pelo treinador Helmut Schon. 'Grande jogo em que alcançámos uma expressiva vitória!', dizia Eusébio na primeira pessoa. 'O público ficou rendido à maravilhosa exibição que havíamos feito, e, no final, os nossos opositores felicitaram-nos, tecendo os maiores elogios. Os portugueses foram os melhores jogadores sobre o terreno e tinham obtido cinco dos sete golos da selecção ad Europa'.
Ninguém pode queixar-se quando sai de um estádio depois de ter assistido a um encontro que termina com o resultado de 7-2. Enfim, queixem-se, se quiserem, os vencidos, mas já vimos que os vencidos no relvado felicitaram efusivamente os vencedores. Nas bancadas, os aplausos abrangiam todos os jogadores de ambas as equipas. Durante hora e meia esqueceu-se o terror de 26 de Julho do ano anterior, os mortos ficaram um pouco mais distantes, o sofrimento foi, de certa forma, mitigado por todo aquele bailado de 22 homens com uma bola. Irrequieto, Eusébio apepinava a paciência dos defesas que o perseguiam como se corressem atrás de um fantasma, Belin, Jusufi e Melic. Ah! Mas não havia um ser humano que, nessa noite, pudesse controlar o azougue do rapaz da Mafalala. Seeler fez o primeiro golo; Eusébio, no minuto seguinte, o 23, apontou um penálti cometido sobre si. Kostic reduziu à meia hora, e Eusébio voltou a marcar com um pontapé fulminante à beira do intervalo.
A segunda parte iniciou-se com Eusébio e mais Eusébio: golos aos 52 e aos 55 minutos. Era Eusébio acima de todos, Eusébio livre como nos seus tempos de criança à sombra dos coqueiros ignorando os gritos de Dona Elisa Anissabani, sua mãe, para que voltasse a casa a tempo do jantar. Galic marcou o segundo golo da Jugoslávia; Uwe Seeler adiantou o score para 6-2 aos 68 minutos, e José Augusto, que fora um vendaval de sprints pela ponta direita, fechou as contas aos 87 minutos. A noite serena de Belgrado terminava perdida numa bruma que ia subindo do Danúbio até ao alto do Kalamegdan. Eusébio fora o melhor de todos, uma vez mais. Tornava-se um hábito. Alegre, recordou os seus quatro golos a todo o comprimento de uma página. Mas as suas páginas nunca tinham ponto final."
Afonso de Melo, in O Benfica
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