Buscas em casas erradas, inspetores da Polícia Judiciária identificados pela GNR, dois anos para confirmar que um suspeito não viajou para a Madeira. Aconteceu de tudo um pouco neste processo.
Em todas as investigações, há percalços, algo que não corre bem, que falhou, que podia ter corrido melhor, mas acabou por ir na direção inversa. O processo "Cashball" não foi uma excepção. Os autos, a que a SÁBADO teve acesso, mostram como, durante a fase de inquérito, a Polícia Judiciária falhou alvos de buscas e como demorou dois anos a obter uma informação da TAP sobre uma viagem do principal suspeito do caso, Paulo Silva, para a Madeira, que acabou por não acontecer.
Apesar de Paulo Silva, o denunciante do caso que passou a arguido, ter relatado a 19 de abril de 2018 que, um ano antes, se tinha deslocado ao Funchal para aí abordar um árbitro de andebol, Ricardo Fonseca, só este ano é que a Polícia Judiciária indagou junto da TAP se o arguido e principal suspeito de corrupção desportiva tinha ou não viajado para o Funchal na data por si indicada. Recolhida a informação, a conclusão foi que Paulo Silva não tinha apanhado o avião.
Nas buscas de 2018, por duas vezes a Polícia Judiciária "bateu" à porta errada. A primeira foi quando se dirigiu a um apartamento na Rua Visconde de Valmor, em Lisboa, para fazer uma busca a Gonçalo Rodrigues. O problema é que, apesar de ter acertado no número de telefone que colocou sob escuta, o nome que constava do mandado de busca esta errado. Naquela morada quem vivia era Gonçalo Amaral Rodrigues - candidato, em 2017, ao Conselho leonino - e não Gonçalo Esteve Rodrigues, funcionário dos Sporting e suspeito no processo. Confirmado erro, os inspetores da Judiciária contactaram o verdadeiro Gonçalo Rodrigues, "que de imediato se disponibilizou para se encontrar com a equipa desta polícia" junto á sua residência, desta vez em Odivelas.
Através do advogado, Gonçalo Amaral Rodrigues ainda tentou saber junto do processo se o facto de a sua identificação constar dos autos se devia a "denúncia caluniosa" contra si ou se tinha sido apenas um "lapso" da investigação, considerando que, quer numa quer noutra situação, tinha o direito de verificar o motivo da diligência de busca na sua casa. Do Ministério Público, nem um pedido de desculpas, apenas uma resposta seca: "Informe o requerente que o presente inquérito está sujeito ao regime de segredo de justiça e que o mesmo não é visado na investigação".
No mesmo dia das buscas de 2018, outra equipa de inspetores da Polícia Judiciária dirigiu-se para o Louriçal, Pombal, para aí realizar uma busca domiciliária à casa do árbitro de andebol Ivan Caçador. Chegados à habitação em causa, pela sete da manhã, "no ato de abertura da porta pelo indivíduo ali residente verificou-se uma tentativa de impedir os inspetores desta Polícia Judiciária de ali entrarem, apesar de devidamente identificados e da cópia do mandado de busca", começa por descrever o auto, acrescentando que, perante a resistência do proprietário e a "salvaguarda da nossa segurança e do material probatório, eventualmente presente na habitação fomos obrigados a forçar a entrada com recurso a força física estritamente necessária, não se tendo registado quaisquer danos materiais e físicos".
Já dentro da casa, a Polícia ficou a saber que quem vivia naquela casa não era Ivan Caçador, mas sim o cidadão Nuno Marques, juntamente com a mulher e dois filhos menores, e que "por ter sido surpreendido nestas circunstâncias e sem saber o que se estava a passar, inicialmente reagiu de forma colaborante".
Esclarecida a situação, os inspetores saíram de casa. Porém, não satisfeito com as explicações, Nuno Marques ainda abordou os elementos da PJ nas imediações do prédio, mas desta vez acompanhado por guardas da GNR de Pombal, que entretanto chamou, "pretendendo novamente aferir da nossa qualidade de inspetores da PJ, facto que foi novamente atestado e esclarecido".
Relatório da PJ iliba seis dos sete arguidos
Seis dos sete arguidos do caso ‘Cashball’, entre os quais André Geraldes, diretor desportivo do Sporting à data dos factos, foram ilibados de responsabilidades, por falta de provas, na investigação da Polícia Judiciária (PJ). De acordo com o relatório final da PJ, o único arguido que não foi ilibado é Paulo Silva, empresário que em março de 2018 denunciou o caso, quando assumiu ter sido mandatado, através de intermediários, para corromper árbitros de andebol e jogadores de futebol adversários, de modo a favorecerem o Sporting.
A investigação considerou válida a possível relação entre uma verba em numerário de 60.405 euros, apreendida no gabinete de André Geraldes, à data diretor desportivo para o futebol profissional do Sporting, e a venda de bilhetes a grupos organizados de adeptos.
No documento, datado de 15 de julho, é considerado ainda que "não é possível estabelecer conexão entre as abordagens" feitas por Paulo Silva a árbitros e jogadores e os arguidos no processo André Geraldes, Gonçalo Rodrigues, funcionário do Sporting, e João Gonçalves, empresário.
Esta semana, SÁBADO revelou o envolvimento do empresário de jogadores de futebol César Boaventura no caso. Segundo um documento a que a SÁBADO teve acesso, os inspetores começam por explicar ter encetado "conversa informal com o referido indivíduo, no sentido de perceber as ligações existentes entre os diversos agentes do futebol". "No meio da conversa e quando se falava de intermediários", continua o auto, "César Boaventura puxou como tema da conversa o designado processo "Cashball", referindo ter sido "o próprio quem contribuiu para que o processo de espoletasse, tendo sido a pessoa que apresentou o denunciante e agente de jogadores, Paulo Silva", de quem é amigo há muitos anos", ao seu atual advogado, Carlos Macanjo. Boaventura acrescentou ainda que, meses antes da operação que levou à detenção de Paulo Silva e André Geraldes, entre outros arguidos, a 16 de maio de 2018, foi contactado por Carlos Macanjo para uma reunião.
No encontro, o advogado, segundo o relato, pediu-lhe o contacto de Paulo Silva, afirmando desconhecer que contactos e conversas é que existiram posteriormente entre os dois. Certo é que, ainda de acordo com o relatado, César Boaventura e Carlos Macanjo voltariam a falar uma semana antes da operação da Polícia Judiciária do Porto: "Foi-lhe solicitado por aquele advogado, na sexta-feira, 11 de maio de 2018, que publicasse na sua página de Facebook um texto, fazendo referência a André Geraldes e ao facto de aquele alegadamente corromper jogadores do Vitória de Guimarães para beneficiar o Sporting Clube de Portugal na época 2017/2018. Refere que o texto que acabou por publicar nesse dia, com o título "Geraldes a passear nas muralhas de Guimarães", lhe foi integralmente enviado por aquele advogado e que ele publicou como sendo seu".
Colaborador de Paulo Gonçalves?
Dois meses antes da conversa informal com César Boaventura, foi André Geraldes quem contactou a Polícia Judiciária do Porto para dar conta de uma situação que lhe causou "estranheza". Já como administrador executivo da SAD do Farense, Geraldes afirmou ter sido contactado por Paulo Silva para "estabelecer as bases de uma relação profissional no futuro, algo que afirma ter declinado de imediato".
"André Geraldes acrescentou que Paulo Silva fez questão de lhe transmitir que no desempenho da atividade profissional de agenciamento desportivo estava a trabalhar em estreita ligação com o antigo assessor da SLSADAD, Paulo Gonçalves, e que mantinham ambos uma relação próxima com o presidente da SLSADAD, Luís Filipe Vieira. Acrescentou ainda Paulo Silva que nos próximos dias estaria com Paulo Gonçalves no Equador a tratar de negócios relacionados com futebol e que se quisesse o poderiam ajudar, algo que declinou", referiu ainda André Geraldes, dizendo que "por todo este circunstancialismo lhe ter parecido muito suspeito, decidiu tomar a liberdade de o comunicar a esta PJ".

Sem comentários:
Enviar um comentário