"Pensar sociologicamente o desporto em Portugal não se afigura fácil. É estar exposto a um conjunto de saberes e de crenças que se impõem sub-repticiamente. O interesse socialmente reconhecido da prática desportiva leva a que fiquem num estado do não pensável. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) recorre a uma metáfora para explicar o bom uso que convém fazer da teoria sociológica geral e que pode ser transposta para uma sociologia do desporto, lembrando-nos que os indivíduos se vergam a regularidades nas suas práticas quotidianas sem ter consciência explícita de obedecer às regras. É importante conhecer as regras de um desporto para compreender o que se joga realmente. Isso não significa que os atletas/praticantes tenham consciência de “obedecer às regras” na sua ação. O domínio das regras é, antes de mais, algo que tem a ver com a competência prática antes de ser uma operação intelectual. A aquisição pela aprendizagem de uma prática consiste na incorporação de códigos sociais múltiplos.
Um exemplo ajuda a melhor compreender os atos em função dos códigos simbólicos do desporto. Em agosto de 2014, num campeonato europeu de atletismo, o francês Mahiedine Mekhissi retirou a sua camisola antes de chegar aos 3000 metros. Foi advertido pelo comité de controle das provas. O seu comportamento não era admissível, mas não foi colocado em causa o resultado da prova. No dia seguinte, veio a desqualificação, depois de uma reclamação da delegação espanhola, transformando o se ato em “falta desportiva total”. O atleta foi acusado pela sua atitude de não ter respeitado as regras técnicas.
Existe uma dupla codificação da prática desportiva, que releva das próprias regras e das relações com o espaço social. É preciso ter em atenção a forma de praticar, o contexto, a situação competitiva e o “label” institucional. Existe um etnocentrismo nacional, reforçado pelo eurocentrismo dos “guardiães” do espaço desportivo. É sobre a base do poder de inculcação moral ligado ao desporto que as principais instituições, encarregadas de assegurar as funções de programação mental, tais como Escola, as religiões e os Estados, que se ampararam desta prática tão particular, para colocar ao serviço as suas visões do mundo."
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