"Ao primeiro ataque e primeiro canto, o Benfica marcou logo ao minuto e quarenta e sete segundos, partindo daí para ser a equipa que mais controlou, criou e rematou, mas, aos 90', o Estoril empatou (1-1) quando já parecia cada vez menos capaz. E a liderança do campeonato ficou no monte dos vendavais que, desta vez, só tomou um banho de chuva
Não há lógica, tão pouco teoria, que bendiga algum momento por cima de outros quanto à probabilidade de a bola se aninhar dentro da baliza, pode dar-se o caso de um golo ser matutino, vespertino ou no meiotino de um jogo, que o factual é haver momentos melhores do que outros para se marcar e clube algum, caso o vizinho de refeição a deixasse na borda do prato, deixaria de dar uma garfada na hipótese de ao minuto e quarenta e sete segundos já ter um golo feito.
Em noite chuvosa, molhada e ventosa, o primeiro ataque do Benfica com chegada à área deu canto e a bola que João Mário de lá curvou foi desviado pela cabeça do central Lucas para um cedíssimo 0-1, dos que ou fazem matutar sobre se a estratégia acordada para um jogo é para manter, ou se começar a perder é apenas uma constatação para entrar rápido na cabeça e ir embora com ainda mais pressa. Foi essa a opção que telepaticamente terá unido os jogadores do Estoril.
Nunca seria obra do acaso o campeão da última segunda liga ir em quarto lugar na primeira porque a equipa é um caso sério de conspiração planeada com a bola, desde a própria área. Usando o guarda-redes Dani Figueira, em pontapés de baliza ou saídas já com o objeto que importa a rolar, o Estoril atrai, com paciência, a pressão do Benfica, fosse para tentar passes curtos ou para apostar em longos se o adversário confiasse em deixar os seus três defensas sozinhos com muito campo nas costas com os três atacantes.
Encontrasse a equipa Gamboa, o trinco para circular a bola para um dos laterais que, depois, muito tabelava com o extremo desse lado para receberem de volta um passe e ficarem com ela de frente para tudo, ou tentasse achar uma receção de Clóvis, André Franco ou Arthur de costas para os centrais, o Estoril foi jogando sem precipitações e tendo vários ataques em que percorria 60 metros de campo com um claro plano de ataque. O problema, depois, era como entrar nos restantes. Ao intervalo, a equipa rematara três vezes e nenhum com laivos de perigo.
Teve tão poucos por incapacidade própria e pela montagem coesa do Benfica, que pressionou os anfitriões a todo o relvado, começando na área do Estoril, onde podia não conseguir estancar muitas saídas, mas onde chegava amiúde com a supremacia na posse de bola que duraria toda a partida. Atrás, a espécie de losango que o sempre em movimento Weigl desenhava com os três centrais encontrava saídas em qualquer cerco e, com tantas atenções do adversário dadas a João Mário para impedir que esses pés de caxemira tocassem na bola, a escapatória foi outra.
Porque Rafa recuava uns metros para fugir das costas do par de avançados do Benfica, ia espreitar nas dos médios do Estoril e o seu contorcionismo para se livrar de quem o pressionasse era o que desatava múltiplas jogadas. Pelo pequeno e barbudo jogador a equipa acelerava os ataques e seria ele a rematar inofensivamente, aos 21’ e 45’, como Weigl fez aos 8’. Outras três tentativas houve sem ameaçarem por aí além, por entre as várias vezes em que o Benfica conseguia lançar Darwin na correria para ver o seu olhar cravado nos próprios pés e o seu poder de decisão nublado não darem o melhor seguimento a essas jogadas.
As vezes em que o Estoril mostrou ao que joga foram encolhendo, aos poucos, na segunda parte em que deixou de tentar roubar a bola para lá da linha do meio-campo e o Benfica, confortado pelo à-vontade com que os três centrais podiam começar as jogadas, passou atacar de outra forma à medida que a intempérie outonal molhava ainda mais a relva.
Inclinado com propósito para a direita, onde está a apetência de Lucas Veríssimo para farejar passes verticais com destino a um dos avançados, a equipa encurtou a distância média de vida dos passes, aproximando os jogadores que fizeram mais tabelas, pequenas sociedades ao primeiro e aqueles toca-e-vai-buscar que deram ao Benfica muitos ‘quases’ praticamente na pequena área do Estoril.
Esses fizeram-se com Diogo Gonçalves, que entraria para sacar um par de cruzamentos rasteiros que rasaram o pé de alguém; com a apetência de Gonçalo Ramos, saído do banco logo após o descanso, para se acercar de quem joga atrás dele e se oferecer para tabelas; e, especialmente, com João Mário e Rafa a desatarem os pequenos nós quando as jogadas parecem estar na iminência de empancarem em algo.
Mas, de toda a produção e aparente controlo crescente do Benfica surgiram, apenas, uma bomba rasteira (65’) de Lucas Veríssimo, que foi correndo e passando a bola até a rematar já na área, e outra de Everton de pé esquerdo (83’). O segundo golo que sempre pareceu palpável e próximo não apareceu e o amarrado Estoril, incapaz de inventar coisas com princípio, meio e fim, foi sendo mais direto nas suas intenções — que, de perigosas, se resumiram só a um cruzamento do brasileiro Arthur que foi desviado (69’) e fez de Vlachodimos um salvador-voador.
Não que o Benfica tivesse sido um dominador supremo do jogo, com capa de vilão ditador que submete quem apanhar à sua lei, mas, construindo e criando o que lhe foi saindo, foi uma daquelas equipas a ter um daqueles jogos que clichezou no futebol aquela ordem de ideias que o central Lucas disse, no final, com sotaque brasileiro: “faltou fazer o segundo golo, cara, se faz o segundo, faz o terceiro e o quarto, era natural”. Só que não fez.
E o Estoril, cuja vida aparente era canalizada cada vez mais para bolas paradas afim de darem em cruzamentos para a área ou em cantos, teve um último, aos 90,’ em que a cabeça de Loreintz Rosier acabou a desviar para o 1-1. Quem criou o suficiente, mas não aproveitou, era empatado por quem guardou a eficácia para o quase nada que fez chegar até à área.
O Benfica deixou a liderança do campeonato no campo muito praticável apesar do banho de chuva e de Jorge Jesus, em tempos, o ter como um monte dos vendavais devido a experiências passadas que o fizeram temer um salve-se quem puder para este jogo. Não foi, de todo, o caso. Salvou-se é a equipa que parecia que já não podia contra outra que não finalizou aquilo com que poderia ter resolvido o jogo."
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