segunda-feira, 8 de novembro de 2021

UM MASSACRE A UM BRAGA DIGNO E A PAINELEIROS INDIGNOS...



Ter dentro da cabeça uma das mentes que mais estuda, pensa, escreve e capaz é de falar sobre a mente deve ser extraordinário e para mim é incompreensível tentar pensar no que vai na cabeça de António Damásio, que há décadas tenta dar palavras às infinitas possibilidades do cérebro humano, a coisas que sabemos estarem lá sem saber os porquês, como o “belo e dramático que devemos enfrentar: a vida que nos vai a cada minuto e que é como o ato de um funambulista no circo”.
Num minuto, em dois e em três, a vida literal se vai e a futebolística também pode começar a ir, ao terceiro do jogo entre Benfica e Braga já a dos minhotos era cadente, tão cedo e tão provocada por um erro de julgamento quando Galeno julgou ser prudente arrancar sozinho com a bola. Logo a perdeu, vendo o galopante Darwin a correr para dentro do espaço vagado pela intempestiva precipitação do adversário para receber um passe, ir à linha e cruzar para uma cabeça que dista 171 centímetros do chão.
Foi a de Grimaldo a fazer o 1-0. Ser o segundo jogador mais baixo em campo a chegar à área para saltar e marcar é a “habilidade para manter a vida” que o neurocientista português diz necessitarmos. O Benfica mostrá-lo, assim de rompante, exigia que a equipa do Braga puxasse por si mesma, pela capacidade de ser hábil como tem crescentemente vindo a ser desde 16 de setembro, última dia em que alguém lhe fatiou um pedaço de vida com uma derrota.

A explicação poderia estar nos cerca de 25 minutos que fez após o golo. Cheios de paciência em não serem atraídos para onde estava a bola, tipos como Lucas Piázon, Ricardo Horta e Abel Ruiz esperavam no costado dos médios do Benfica e em espaços de ninguém, fiéis à posição onde um passe deveria e haveria de chegar. Rápido e vertical a emparelhar passes, o Braga foi chegando sobretudo a esses jogadores e usando todos os que tinha para, sem bola, pressionar alto e em bloco qualquer princípio de jogada do adversário.
A praticabilidade com que, em três passes, a equipa chegou à desmarcação de Ricardo Horta para dentro do muito espaço atrás da última linha do Benfica, sempre subida, deu-lhes o 1-1, aos 12’. O golo inflacionou-lhes a vida que estavam a ter. Castro e Al Musrati manietavam todas as segundas bolas e as curtas tabelas para se ir avançando no campo eram encadeadas como se nada fosse. A equipa que se precipitava sobre a área contrário com jogadas controladas era o Braga e, aos 27’, também a invadiu com a urgência de quem está na equipa para lhe dar frenesim.
Num lançamento lateral, portanto numa bola imperdoável de se consentir que resulte em problemas, Galeno fugiu nas costas de Lucas Veríssimo, sprintando pela área até rematar contra Vlachodimos. A perseguição em esforço do central deixá-lo-ia mazelado no joelho e deitado numa maca, como antes já outro bocado de vida futebolística fora roubada do jogo — a substituição do brasileiro (34’) juntou-se à de João Mário (23’), lesionado nas costas, e a estas se juntaria a de Sequeira, do Braga, também magoado num joelho (45’+6). Não há funâmbulo que na vida de quem joga mais desgostoso de se ver e a primeira parte vista no Estádio da Luz foi prolongada por estas voltas à roda da fortuna.
Coincidiu, mais ou menos, com a troca do Benfica de centrais o esburacar da pressão a todo o campo dos minhotos, que nunca a esmoreceram embora sem impedirem que começassem a ser superados em duelos individuais e atropelados nos espaços abertos entre jogadores. Podiam não percorrer todo o campo com uma jogadas das calmas, conspirativas e pensadas, mas os anfitriões começaram a cortar o Braga ao meio, velozmente.
Deixando Everton balancear-se nas costas de Darwin e Rafa, o Benfica teve o brasileiro a acelerar e depois abrandar uma transição, até soltar a bola em Grimaldo para o seu remate desviado ter na defesa de Matheus o ricochete que a levou ao 2-1 de Darwin, aos 37’. Era o início de vários contra-ataques em que a velocidade era o combustível da vida escolhida pelo Benfica para acabar com a do adversário que escolheu pressionar a todo o campo.

Voltaria a ser Everton a esperar por uma corrida alheia, a de Rafa, que só abrandou quando cravou a Diogo Leite uma precipitação em carrinho, na pequena área, para mostrar como se vive com calma e classe na iminência de um golo. Fez o 3-1 por entre as pernas do guarda-redes, aos 42’, e o sopro acelerador seguinte que mais parecia uma rajada de tempestade sempre que o Benfica reagia, com velocidade, a uma bola recuperada, aconteceria outra vez com o brasileiro a lançar o português (45’+3) para o 4-1.
Mesclada entre velocidade, eficácia e vertigem por chegar à área, a vida que lhe fugira em Munique, onde foi engolido pela intensidade com que o Bayern gere a dele, regressou ao Benfica com a mesma pressa de um bumerangue que é arremessado e volta à mão de origem. Essa viagem de regresso continuou a fazer-se sem soluços no ritmo, mal arrancou a segunda parte, vendo-se apenas umas trocas de papéis.
A inaugural transição rápida que os encarnados tentaram encontrou o sprint de Rafa, que concentrou atenções em si para soltar Everton na área, pela esquerda. A malandrice do pára-arranca que o brasileiro, por vezes, aplica em jogadas que não pedem alguém a encravá-las aqui extraiu uma precipitação deslizante do outro central do Braga. Foi Paulo Oliveira a atirar-se aos pés do extremo cuja simulação o fez sumir do caminho que desbravou para rematar o 5-1, aos 52’.
Sete minutos mais tarde, uma das frequentes diagonais em corrida do centro para uma ala de Darwin, dador do melhor de si quando tem a bola para correr e não para a ter, fez o uruguaio fugir pela esquerda no contra-ataque que veio depois: o avançado cruzou rasteiro, a bola passou por quatro adversários que só se preocuparam com ele e chegou ao remate da meia dúzia de Everton.
Ser goleado por 6-1 em menos de uma hora foi o sinal a que o Braga se rendeu para colocar o tampão possível no desastre. Também pode existir habilidade na cara de uma tragédia e impedi-la de piorar era a forma possível de a equipa se agarrar à vida. A equipa recuou nas intenções e no campo, assentou o início da pressão perto da linha do meio-campo e, moribunda, proporcionou que o Benfica fizesse algo que não costuma.
Gerir a vantagem com cabeça, tronco e membros, traduzidos em ter a bola, passá-la por todo o campo e cansar os adversários na sua perseguição. A cadência do jogo minguou drasticamente, de palpitante só uma oportunidade não convertida por Gonçalo Ramos, aos 72’, na área, quando das flechas do Benfica sobrava apenas Rafa, numa equipa a transpirar calma e simplicidade em abundância: ter nas redondezas de Weigl um fã de fazer as coisas simples e bem, como são os 19 anos de Paulo Bernardo, muito ajudou a que o Benfica vivesse descansado até ao final do jogo.
Saber que a vida começa a abandonar-nos assim que nascemos difere de estar consciente que isto é uma roda em constante movimento. Num dia é-se goleado e no outro goleia-se e a habilidade estará em encontrar o meio-termo. O Benfica não é hoje o oposto do que foi em Munique, nem o Sporting de Braga que não era derrotado há quase dois meses ficará com a etiqueta desta meia dúzia. A vida que vai é a vida que volta e no futebol ganhará mais vezes quem encontrar a constância que, por enquanto, ainda não vive em alguma destas equipas.

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