Porque é que um banco que é tão rápido a executar clientes comuns aceitaria revender os VMOCs ao Sporting com um desconto tão grande?
Na véspera das últimas eleições no Sporting, Frederico Varandas anunciou, com pompa e circunstância, que tinha resolvido um dos problemas que mais atormentava o Sporting, através de um acordo para a recompra dos valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis (VMOC) detidos pelo banco Millenium BCP.
Na altura, o Benfica criticou duramente o negócio através da sua newsletter, falando do “tristemente histórico dia em que foi consumado um perdão de dívida gigantesco à Sporting, SAD. (…) Um dia em que um banco intervencionado pelo Estado com dinheiro dos contribuintes, numa altura em que há cada vez mais investidores externos no futebol português, se desfez apressadamente de um ativo com 70% (ou mais) de desconto. Ativo esse que, por sua vez, já tinha sido sobrevalorizado aquando do início da operação“.
Para compreender a dimensão do desconto em questão, precisamos de voltar atrás para perceber os sucessivos perdões de dívida de que o Sporting beneficiou:
Em 2011, o Sporting, que estava a enfrentar grandes dificuldades financeiras, com capitais próprios negativos e uma dívida exorbitante à banca, emitiu 55 milhões de euros em VMOC.
Em 2014, voltou a recorrer aos mercados para emitir mais 80 milhões no âmbito de um Acordo de Reestruturação Financeira. No total, passaram a ser 135 milhões de euros em dívida sob forma de VMOC A e VMOC B.
A partir de aqui, começam as operações de cariz altamente invulgar. A 8 de janeiro de 2016, a banca decide prolongar a maturidade dos VMOC em 10 anos, até 2026, introduzindo, também, uma cláusula que declarava que os juros, com uma simpática taxa de 4%, só seriam pagos “caso a SAD do Sporting tenha lucros e distribua dividendos”. Seguramente todos gostaríamos de ter gestores de conta tão generosos quanto este.
Em 2018, quando ambos os bancos já tinham registado os VMOC como imparidades, Bruno de Carvalho revela num artigo que o Sporting os renegociou para pagar, em 2026, apenas 40,5 milhões de euros – 30 cêntimos por ação em vez de um euro, um desconto de 70%. Esperemos que os bancos estejam preparados para ter a mesma clemência para com os muitos portugueses que terão em breve de enfrentar a subida da taxa de juros no crédito à habitação.
Em 2021, os bancos mandataram a Rothschild & Co para vender os VMOC, seguramente um ativo muito atraente para vários investidores que, em 2026, os poderiam converter em capital. Também em 2021, o BCP e o Novo Banco concederam ao Sporting uma dispensa para regularizar as suas obrigações até ao final do ano, já depois do clube ter entrado em incumprimento com o acordado.
Finalmente, a 4 de Março de 2022, Frederico Varandas anuncia a recompra dos VMOC ao BCP, por apenas 14 milhões – muito abaixo dos 25 milhões de euros acordados aquando da renegociação feita em 2018 por Bruno de Carvalho. Curiosamente, o Novo Banco, à data com o Fundo de Resolução a controlar muitas das operações, não chegou a acordo. Mas o BCP sim – e decidiu vender milhões por tostões.
Ora, quando a decisão foi inicialmente anunciada, a venda dos VMOC gerou alguma estupefação. No entanto, desenvolvimentos recentes tornaram este negócio ainda mais incompreensível.
John Textor, investidor americano que tem tentado investir em diferentes SADs do futebol nacional, declarou publicamente que, pouco antes do anúncio de Frederico Varandas, tentou abordar os bancos com uma oferta de 150 milhões de euros para reaver as VMOC. O americano declarou ainda que, dadas as eleições prestes a acontecer, o clube rejeitou cabalmente encontrar-se com ele.
Olhando para trás, com a informação da tentativa de investimento de John Textor, levanta uma questão fundamental: Porque é que um banco, que é tão rápido a executar clientes comuns mal estes se atrasem com qualquer pagamento, aceitaria revender os VMOCs ao Sporting com um desconto tão grande – sobretudo tendo propostas superiores em cima da mesa?
Convém lembrar que, durante este período de tempo, o Sporting continuou a investir robustamente no plantel da equipa principal.
O certo é que, de um euro por ação, chegamos, uma década mais tarde, a 17 cêntimos, um desconto de mais de 80%. No total, o calote foi de mais de 100 milhões de euros. Há que perguntar aos acionistas do BCP como é que nunca questionaram a administração do banco sobre esta transação quando tinham uma proposta bem melhor. Mas, até existir uma explicação mais aceitável, o favorecimento sistemático da banca ao Sporting aparenta não passar de uma série de perdões imperdoáveis.
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