"O fim de Fernando Santos, o nosso “el Greco”, à frente da seleção portuguesa, é o epílogo de uma tragédia de final anunciado, um borrão para quem a maior dificuldade da arte foi sempre atingir a perfeita harmonia plástica através da paleta futebolística à sua disposição.
E talvez o leve de volta ao Partenon e ao encontro dos “parakaló” calorosos de quem mais gostou dele, a Grécia, tão mais grata e influente na sua vida de treinador de futebol.
Enquanto esperamos pelas explicações e justificações dos outros protagonistas desta história - sobretudo Cristiano Ronaldo e Fernando Gomes, bem menos assertivos do que o achista Marcelo Rebelo de Sousa, que o comentou em direto nas televisões 32 minutos antes do anúncio formal da Federação -, situemos a ação dramática nessa pátria da filosofia e da compreensão humana.
E cada um dos “hipokrytes” (intérpretes) nos perfis dos três pais da tragédia grega - que foi o primeiro grande espectáculo de massas, para mais de 15 mil pessoas, no anfiteatro de Dionisio, o estádio panatenaico do teatro.
Fernando Santos podia ser um Ésquilo, encenador do enredo, muito estrito na sua crença e estética teológica, em obediência à moral do destino e à ortodoxia do trabalho: “Deus ajuda aqueles que se esforçam”.
Em Cristiano Ronaldo vejo um Sófocles, artista ufano de dezenas de vitórias nos campeonatos dramáticos, introduzindo a influência do “coro” como pressão externa para sublinhar o conflito em palco, sempre à procura de roubar o protagonismo, no limiar dos caprichos divinais: “nenhum inimigo é pior do que um mau conselho”. E, finalmente, um Fernando Gomes como Euripides, privilegiando o realismo e desconsiderando a irracionalidade dos deuses, tendo introduzido em palco a bombástica “deus ex-machina” para detonar a explosão final perante o impasse da história: “questiona tudo, entende o principal e nada respondas”.
Três frentes de uma guerra surda, que escondem motivações e estratégias, atrás de declarações formais e estereotipadas, com menos respeito pelos espectadores, de acordo com outro axioma de Ésquilo segundo o qual “na guerra, a primeira vítima é a verdade”.
Foi do pensamento de qualquer um destes dramaturgos originais, que retiramos orientações à medida das equipas de futebol conquistadoras, organizadas e determinadas, tão básicos princípios como “a felicidade exige esforço” ou “a obediência é a mãe do sucesso”.
As tragédias gregas também se compunham de três partes distintas como a vida de uma equipa de futebol, acabando invariavelmente na desgraça ou na redenção dos protagonistas:
Prólogo: a fase de conhecimento e apresentação em que se desenham os objetivos; Episódios: os jogos e peripécias dos protagonistas que incluem os comentários, as interpretações e as interpelações dos jornalistas (coro);
Êxodo: o final dramático e marcante em que o herói recebe a sentença divina. Uma seleção nacional de futebol emula as famílias nobres em que se desenrolavam as tragédias que apaixonavam os gregos. Formadas por seres humanos que, pela sua posição social e actividade profissional, se colocam em pedestais e palcos de enorme exposição à crítica, nem sempre pelas melhores razões.
Uma grande parte dos enredos dramáticos eram atenuados por finais cómicos ou, pelo menos, surpreendentes do ponto de vista cénico para atenuarem a carga dramática da trama que, normalmente, mexia com a justiça e a coerência dos deuses. Desfechos de reconciliação ou de castigo, mas definitivos para a vítima, perante a necessidade de mexer em alguma coisa para que, certamente, tudo fique na mesma.
E agora, como diria Fernando Santos, no seu grego moderno: “Antío kai efcharistó” Adeus e obrigado."
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