"“Duplo Pivô”, o monstro de duas cabeças
Através do francês “pivot” (ponta ou terminal de um eixo sobre o qual gira uma placa ou carga), vários desportos, como o Andebol, o Basquetebol ou o Futsal, definiram uma posição essencial ao jogo, destacando um elemento em torno do qual se movimenta o ataque da equipa.
A estrutura dos outros jogadores roda em torno daquela base, como uma bússola gira em volta do seu pino. O “Larrouse” define-o como a base ou suporte, em torno da qual tudo se organiza, como o “pivot” de uma conspiração.
Por isso, quando alguém a usou pela primeira vez no futebol falado, pelo começo dos anos 90, foi também em associação à posição mais solitária do ataque, o defunto avançado-centro, que batalhava isolado no meio dos centrais, tentando oferecer-se como ponto de referência. Mesmo assim, tal nomenclatura nunca vingou, porque a sua tarefa primordial é a de finalizar e não a de fazer girar a bola à frente da baliza.
Talvez tivessem ficado com pena do desperdício de uma palavra tão jogável, tão desportiva, pois, poucos anos passados, perto do final do século, irrompeu com grande brado numa nova função e em dose dupla, mas com uma roupagem defensiva, o trabalho de recuperação da bola e de iniciar a preparação do ataque. Todavia, este “duplo pivô” é das designações mais arrevesadas que os homens do futebol adoptaram, um autêntico monstro de duas cabeças, se nos detivermos no significado etimológico, no princípio físico que define um “eixo” quando se trata de unir dois pontos e na própria dinâmica do futebol.
E, em parte, por uma errada justa-posição das palavras. Talvez fizesse mais sentido e devesse chamar-se “pivô duplo”, como os travões das bicicletas ou como os casais que apresentam os telejornais modernaços. Um só pivô, “comme il faut”, mas com duas extremidades funcionais, como a forquilha das fisgas da minha infância.
O problema é que a ideia de um “pivô-duplo” conflitua com o princípio táctico que subjaz ao “duplo pivô” do futebol. Ou seja um pivô-duplo seriam dois jogadores a realizar a mesma tarefa, como a “ponte” das dentaduras postiças, aquela que no futebol arcaico se designava toscamente por “trinco” italiano ou “volante” brasileiro - sempre no singular, como o ferrolho do portão ou o guiador do automóvel - e isso atrapalharia a dinâmica do conjunto.
Ora o “duplo pivô”, socorrendo-me de um dos seus prolíficos difusores, o comentador Freitas Lobo (planetadofutebol.com), representa dois jogadores a desempenharem funções distintas, um “mais preso” e o outro “a sair mais para o jogo”.
Também o blogger e treinador Pedro Bouças (lateral-esquerdo.com), expoente da “geração basculação”, identificou o “médio centro direito e o médio centro esquerdo” como gémeos dizigóticos desta irmandade, o que me provoca nova inquietação: poderiam, por analogia, os dois defesas centrais, um mais à direita, outro mais à esquerda, também serem identificados como ”duplo pivô”, igualmente um mais livre “a jogar” e o outro “na marcação”?
E, por absurdo, nas tácticas de três centrais ou de três médios em linha, poderíamos aludir a um “triplo pivô”?
Realmente, dois jogadores a fazer o mesmo não teria cabimento numa equipa. Mas se cada um dos “pivôs” da dupla desempenhar funções diversas e ocupar espaços assimétricos, um lateral e estático, o outro longitudinal e dinâmico, como Pedro Bouças teoriza, não estaremos antes a falar de um sistema, de um eixo, de uma “linha” daquelas que formam as “entrelinhas”?
E, enfim, não lhe assentaria melhor a singela designação de “dupla”, dupla de médios, como a dupla dos defesas centrais? Caramba, há 2500 anos, já Pitágoras definia “um” como um ponto e “dois” como uma reta.
Pensem nisto.
A seguir: E - Entrelinhas"
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