sábado, 4 de março de 2023

EFAB⚽LAÇÃO (16) - TODOS NO MESMO SACO

 


"No dia em que o presidente da Liga admitia a antecipação da centralização de direitos televisivos, o responsável pela operação era formalmente acusado pelo Ministério Público de graves crimes contra o património do Benfica e contra o Fisco, no âmbito de uma investigação sugestivamente denominada de “saco azul”.
Sim, a Liga Portugal entregou a um dirigente suspeito de fraude fiscal e falsificação de documentos a tarefa de executar um mandato decretado pelo Estado. E escolheu o gestor dos direitos individuais do Benfica para regular a política de direitos coletivos dos seus adversários.
Atenção: nada disto é ficção, nada disto é piada, quando o assunto são milhões cabem todos e todas as cores no mesmo saco.
O nirvana da centralização de direitos como cura para as patologias da arbitragem, da disciplina, da violência, da cultura de ódio e da desonestidade desportiva da maioria dos agentes, remete para uma comparação recente do regabofe do VAR lusitano com o rigor impecável do VAR inglês.
Para chegar a uma maior justiça distributiva das receitas televisivas, que assente em modelos desportivo e competitivo sólidos, a solução está sempre nos exemplos de organizações fantásticas, montadas a partir de novos alicerces sobre escombros de descrédito, como aconteceu na NBA, na Premier League ou na própria UEFA, que renasceram de crises gravíssimas: primeiro, extirpar, limpar, reorganizar, consolidar e sistematizar. Só depois facturar.
Mas da Premier League só se inveja o sol na eira - o dinheiro que escorre dos direitos televisivos, a transparência lapidar do espetáculo ou a excomunhão sumária de árbitros sem categoria e de primatas das bancadas. E sem o desconforto da chuva do nabal - chatices impopulares como a erradicação do vandalismo, a dureza implacável dos regulamentos sem direito a recurso nem providenciais expedientes dilatórios, a política de bilhética com respeito pelos adversários (e seus adereços) ou a defesa intransigente de uma comunicação positiva e responsável.
A Liga portuguesa visa a grandiosidade, quase megalomania, da “internacionalização” e da “indústria do entretenimento”, mas não mexe um dedo contra a descredibilização diária por actos e omissões de agitadores profissionais contra a honra desportiva, alguns com décadas de malfeitorias acumuladas. Pedro Proença soma sucessivos mandatos de inércia e indiferença pelas verdadeiras razões dos problemas agravados do futebol português de clubes e não adianta qualquer ideia para resolvê-los, escondendo-se atrás de folclóricos planos estratégicos de obscuros consultores contratados, como, de resto, já tinham feito os antecessores. Empurrando com a barriga, responsabilizando os clubes pela dinâmica de caranguejo da sua gestão centralista, ou anunciando mudanças para que tudo fique como está.
Nada faz sentido do que transpirou da “Cimeira dos Presidentes”, em que os responsáveis dos emblemas principais entraram mudos e sairam calados. Apenas se percebe que os pequenos querem receber mais dinheiro por conta de transmissões televisivas que ninguém vê. E que os médios querem receber mais dinheiro por conta de transmissões televisivas em linha com o cada vez mais baixo número de espectadores que conseguem atrair aos seus estádios. E que os grandes não abdicam de direitos adquiridos como consequência de um desequilíbrio mediático que perdurará por longas décadas.
Esta quadratura de círculo também não é anedota. Ela condiz com a inspirada escolha do CEO de uma televisão centralista, como a do Benfica, para dirigir o processo de descentralização e salvação da pátria. Quando se trata de dinheiro, o lema é: todos no mesmo saco."

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